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Diária

Ser feliz, em casa…


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quinta, 19 setembro 2019

Não costumo assistir, mas parece que é dos programas mais vistos da televisão, em Portugal. A apresentadora é considerada uma estrela mediática, gozando de grande admiração e simpatia entre os espetadores. Frequentemente, aparece nas capas da imprensa «cor-de-rosa» e é também proprietária de uma revista com o seu nome. Alguns especialistas chegam a dizer que a sua comunicação é mais convincente que a de muitos políticos. Uma mistura de emoção, alegria, fascínio e estética, permitem que os milhares de pessoas que diariamente assistem ao seu programa, gravem na memória os casos e as pessoas que por lá passam e façam disso tema de conversa de café.

Foi neste contexto que, no início de setembro, me falaram que, num desses programas, tinha estado uma senhora a dar o seu testemunho por já ter casado várias vezes, pelo menos cinco! A curiosidade levou-me a ir à procura, através das gravações da internet, e a ver a referida entrevista.

Confesso que fiquei muito irritado com o que vi. Mas, o que me chocou mais foi o facto de imaginar que assistiram a tudo aquilo imensas pessoas que diariamente dão tudo para que o seu casamento se mantenha firme, que sofrem para que a família não se separe, que aguentam coisas inimagináveis para que a fidelidade seja expressão de amor. Mais ainda, tanta gente que fica destruída pelo fracasso de uma relação, pelo divórcio, pela separação. Sim! Estas coisas deixam marcas, por mais que se diga que o tempo tudo cura. Não é verdade, pois não podemos jamais apagar o passado, no bom e no mau que nele fizemos e vivemos.

Perante a superficialidade e a mediocridade do que se ia dizendo naquela entrevista, por vezes até entre sorrisos e algum humor, doeu-me também como é possível falar de forma tão indigna e «perversa» da relação conjugal, do amor dos esposos, enfim, da família…!

Em verdade, não é de espantar aquilo a que assisti. Somos protagonista deste tempo, em que cada um faz e diz o que quer e bem entende, em nome de uma falsa liberdade, onde as regras, os valores e os critérios só valem se forem em defesa própria. Mesmo que se ofenda e destrua os outros, ou se ponha em causa o que há de mais precioso na vida humana; a única coisa válida é respeitar o princípio: «eu quero, logo eu posso e isso é que é bem!».

No dia seguinte, juntamente com um colega, celebrámos a eucaristia de ação de graças pelas bodas de ouro de um casal, aqui das paróquias. Casaram no dia 7 de setembro de 1969. Foi o amor que os uniu, envolvido pela inocência de não saberem bem o que era o casamento, mas, ao mesmo tempo, fascinados por essa «aventura» de serem família! As traves de suporte, naquela altura, foram os pais. Depois, aprenderam a viver a dois, partilhando, dialogando, discordando, perdoando, sempre na humildade, para que acontecesse o amor.

E o amor foi crescendo e nasceram os filhos, com as alegrias e responsabilidades que isso implicou. Foi uma vida recheada de coisas boas e também de algumas – poucas – menos boas! Entretanto, os filhos tornaram-se homens e aventuraram-se no mesmo sonho de formar família! A seguir, nasceram os netos… e o encanto de os ver crescer na missão de serem avós.

Já passaram 50 anos e entre tantas recordações e vivências, o momento é de ação de graças a Deus, porque, apesar tudo, sem Ele, não teriam sido capazes de tantas coisas nem teriam chegado até aqui, «felizes, em casa», em família!

Atualmente, estamos a ser contaminados fortemente por um egoísmo autossuficiente e narcisista que está a desfigurar e a corromper a nobreza das relações humanas, sobretudo na família, e, pior ainda, a espatifar a dignidade de cada pessoa e da sociedade. Entretidos, com o «pão e circo» da cultura reinante, adjetivada de «moderna» e «desenvolvida», não nos estamos a dar conta de que para sermos felizes, nós e os nossos, não chegam as competências, as habilitações, os rendimentos, as posições sociais, os conhecimentos, as capacidades… que possamos alcançar sozinhos, para além dos outros, ou até mesmo contra eles, ao longo da vida! A família, apesar de tudo, é o primeiro lugar de realização de uma pessoa! É na nossa família, seja ela como for, que devemos e podemos construir a nossa felicidade, na certeza de que Deus não nos faltará.