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Património no concelho de Mealhada - Observações. 12


tags: Maria Alegria Marques Categorias: Opinião quarta, 02 outubro 2019

Na nossa deambulação pelos locais religiosos do concelho, chegamos, hoje, à freguesia de Ventosa. É, das freguesias do concelho, uma das possui mais memórias escritas ao fim a que nos importa. Em 1721 indicavam-se 4 capelas na freguesia, que, em 1758, se explicitavam: S. Pedro (suplantando a muito antiga invocação de São Félix e, cremos, em alguns momentos posteriores concorrendo com a invocação de São Brás), em Antes; S. Martinho, Bispo, em Arinhos; Santa Luzia, na Póvoa do Garção, e N.ª S.ra da Expectação (hoje, Esperança), no Barregão. É também das poucas freguesias onde havia capelas particulares, como a da actual Casa do Carvalhinho, com inscrição latina BEATA MATER & INTACTA VIRGO GLORIOSA REGINA MUNDI INTERCEDE PRO NOBIS AD DEUM (“Ditosa mãe e rainha do mundo, casta, virgem e gloriosa, intercedei por nós junto de Deus”) e data de 1693. Ainda em Ventosa existiu uma outra capela particular, grande o suficiente, para servir de paróquia quando se destruiu a igreja antiga e se construiu a actual, isto, após 1755, o ano do terramoto destruidor, como é sabido. Caída em desuso pela nova igreja, em meados do século XIX foi recuperada de ruínas pela sua proprietária, D. Bárbara Fortunata da Silva Monteiro, viúva de António José Afonso. Será, acaso, a antiga capela de N.ª S.ra do Pilar, contígua à casa do capitão Luís da Costa e Azambuja, existente em 1758?

Porém, é sobre o lugar de Antes que os documentos permitem esclarecer mais e mais informações. Havia, no lugar, um certo padre, Manuel Francisco Eustórgio, de “idade maior e em breves anos incapaz”, que vivia com seus sobrinhos, Norberto de Abrantes e Bartolomeu de Abrantes, também sacerdotes, e ainda duas irmãs, “de idades provectas”, uma delas muito atacada por achaques físicos. A sua casa fora atingida pelo terramoto e, nas obras de restauração, os proprietários entenderam por bem dotar a casa de uma capela, precisamente para obviar aos problemas de saúde que apoquentavam alguns dos seus membros. Além disso, afirmavam ser a sua casa “a principal do lugar, pronta no recolhimento de pessoas graves e com frequência amparadora de religiosos sacerdotes”. Obtiveram licença, com a condição de ser capela pública e não oratório privado. A obra estava pronta, “com toda a magnificência e perfeição”, em Outubro de 1758. Mas era construção pequena, de 29 x 16 palmos, isto é, cerca de 6,70m x 3,70m. A porta e a fresta ostentavam cantarias de pedra de Ançã, tinha retábulo pintado, e a sua padroeira era N.ª S.ra da Assunção, de quem a capela possuía uma “imagem formosíssima e perfeitíssima”, inclusa em vidraça; ladeavam-na as imagens de São Francisco de Borja (um membro da alta nobreza de Espanha, jesuíta, falecido em 1572 e canonizado em 1671), prova de uma espiritualidade bem atenta à novidade, e São José. Foi dotada ainda com os ornamentos e alfaias necessárias e diversos bens materiais, atestados por necessário processo jurídico. Teria sobreposta à porta principal uma inscrição latina, a atestar a imensa e segura protecção de Maria, com a data de fundação.

Por este processo e descrição da capela dos PP. Eustórgio e Abrantes, cremos que ela se deve identificar como “uma capela transformada em pobre habitação que foi de instituição de casa particular”, assinalada, em 1959, no Inventário Artístico do Distrito de Aveiro – Zona Sul, que já indicámos, p. 204-205. Falecidos os seus fundadores, sacerdotes, a sua capela caiu fácil e rapidamente em abandono e ruína, ao mesmo tempo que novas ideias, de liberalismo, descristianização e laicidade, em muito facilitariam que os zeladores deixassem as obrigações e, com leveza, alterassem os desígnios primitivos. Tudo havia de se reflectir no património edificado, convidando ao abandono, à ruína ou à alteração de uso.

Quer na sede, quer nos lugares da freguesia (Antes e Póvoa do Garção), surgiram novas pequenas capelas, maioritariamente particulares, uma delas, a capela de N.ª S.ra da Memória, de 1889.