Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

…um dia morrerão!


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 30 outubro 2019

 

Por estes dias, após um funeral, à porta do cemitério, depois de conversarmos um pouco sobre a pessoa que acabava de ser sepultada, das suas vidas e do seu viver, um dos presentes rematou a conversa, dizendo:

 

- O mal da vida de muitos é esquecerem-se que um dia morrerão.

 

Acenei com a cabeça, concordando, e despedi-me de todos, pois outro serviço me esperava. Mais tarde, já em casa, veio-me à mente aquela afirmação. Por muito simples que possa parecer, a quem a escute ou a leia, ela está carregada de significado, sobretudo retrata na perfeição muito do estilo de vida em que todos estamos mergulhados.

Não fique ninguém confuso! Não temos de andar sempre a pensar na morte, muito menos, viver ansiosos ou angustiados com a certeza que um dia, ela virá. Mas, jamais podemos viver sem ter em conta essa verdade que, mesmo custando dizer e escrever, é inegável: somos mortais.

Os nossos projetos e sonhos, os nossos ritmos e hábitos, as nossas posturas e posições, o que pensamos e dizemos, o que sentimos e fazemos… raramente têm em conta esta condição de sermos limitados, finitos, frágeis, porque morreremos, um dia.

A “arrogância existencial” de sermos capazes de tudo, de tudo sabermos e tudo conseguirmos, desde que o queiramos, é ilusória e, na vida de tantos, patética. Não somos invencíveis, não somos capazes de tudo, não somos eternos, por mais que a cultura reinante nos convença de tal, com ideias e slogans que encaixam perfeitamente nestes nossos desejos utópicos. Tudo isso funciona como os “cosméticos” que disfarçam “rugas” e tentam realçar a beleza, muitas vezes inexistente, em tantos rostos.

Já agora, pensemos naquilo a que nos agarramos em vida e frequentemente quase nos faz separar dos outros, ou então, condiciona o nosso estado de espírito e a nossa alegria de viver. Vejamos, no concreto: depois de morrermos, o que acontecerá às nossas coisas, sobretudo aquelas, que não gostamos de emprestar, e são só nossas. Serão queimadas? Postas no lixo? Esquecidas? Talvez, aquelas com um valor maior, alguém poderá ficar com elas, ou dá-las. Mas, o que será dos nossos livros, das nossas malas, sapatos, roupas...?

Mais: depois de morrermos, o mundo não vai parar a chorar por nós, mesmo que andemos a vida inteira a pensar que somos o “centro do mundo”. A economia, o futebol, a política, as novelas… tudo vai continuar, sem nós! No trabalho, onde tanto discutimos e nos gastamos, seremos simplesmente substituídos por outra pessoa, ou então, uma máquina fará melhor e mais barato que fazemos.

Ainda mais: depois da nossa morte, passados uns tempos, continuaremos a ser julgados, questionados e criticados pelo que fizemos, sobre todas as pequenas e grandes ações da nossa vida, sem estarmos cá para nos justificarmos ou defendermos. Uns chorarão, uns dias, ou umas horas, mas depois a vida continua e tudo volta ao normal. Mesmo aqueles que nos eram próximos, na vida, vão acabar por nos esquecer. E aí, a nossa história termina...! Termina, neste mundo... entre os outros e os nossos, entre as nossas coisas e aquilo que é de todos!

Mas, acredito firmemente, que a nossa história (re)começará, com uma nova realidade… e essa realidade, é a Vida, onde o que verdadeiramente contará será o Amor. Sim! Depois da nossa morte o que contará é o Amor que vivemos, neste mundo, e ninguém o pode destruir, apagar, vender…!

Por isso, se a nossa vida esquecer o Amor e, nela, só valorizarmos o nosso corpo e a sua beleza, a nossa aparência, os títulos e os “sobrenomes”, o conforto e o status, a posição social e a conta bancária, a casa e o carro, a profissão e a carreira, as medalhas e os troféus… nada terá valor algum e de nada nos servirá, depois da morte!

Depois da morte, pode contar tudo isto e muito mais, desde que seja com e no Amor. Atenção, um Amor concreto que se traduz em fazer o bem, seja a quem for, em perdoar sempre e a todos, em ser justo em tudo…! No fundo, este Amor não é mais que realizar o que Deus quer, de cada um de nós, neste mundo, a saber: sermos “instrumentos de amor”! Já Santo Agostinho afirmava: “Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.” Que assim aconteça, com todos e cada um.