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…falta de tempo para pensarmos na vida!


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 13 novembro 2019

Encontrei-a na rua, apressada como é habitual, pois parece estar sempre atrasada. Saudou-me, com a alegria de sempre, mas sem disfarçar a tensão que o pouco tempo que tinha lhe provocava. Mas ainda deu para conversar rápido sobre a família e alguns desafios profissionais. A certa altura, disse-me:

 

- Isto é tanta coisa que a gente nem tem tempo para pensar.

 

Concordei com ela.

 

- Mas, o pior é que com esta falta de tempo para pensar a vida, fazemos só asneiras, a começar por aquilo que se diz, ou não diz aos nossos! Ando sempre numa correria e, muitas vezes, nem me apercebo que, com aquilo que digo, os outros ficam magoados.

 

Perguntei-lhe o que se tinha passado e ela lá me contou as peripécias de uma tensão familiar que durou várias semanas e que ela nem se tinha apercebido de nada. Depois, foi com muito custo e choro que as coisas se recompuseram!

 

Pensando na correria e na falta de tempo para pensar e refletir a vida, não tenho dúvidas nenhumas que o “relógio” e a capacidade de o saber usar, no dia-a-dia, faz toda a diferença. Não é tanto uma questão de ter minutos ou horas disponíveis seja para o que for, é mais saber o que faço, ou devo fazer, nesses minutos e nessas horas. Por outras palavras, o nosso drama, hoje, não é ter tempo para “viver” seja o que for, mas é sim não “viver” no tempo que temos. Claro que este “viver” é muito mais que estar vivo, trata-se sim de construir a nossa felicidade, de realizar os nossos projetos, de alcançar os nossos sonhos, em cada momento da nossa vida. Para isto, falta-nos o tempo ou gastamo-lo, sem refletir e pensar.

Depois, à falta de tempo pode juntar-se a preguiça de pensar. Na verdade, custa vencer a dificuldade de pensar nos problemas, nos deveres e projetos, com interesse e aplicação, especialmente quando se trata do projeto familiar, dos problemas dos filhos, da realização profissional ou da nossa vida espiritual. Abdicamos de tudo isso com um “não me apetece”! É certo que algumas vezes é por cansaço, outras vezes porque é complicado, ou até por má disposição, e sempre por preguiça.

Além da preguiça, temos também a atrapalhação de tudo, na vida parecer urgente. A ansiedade, a aflição por definir ou resolver algum assunto urgente facilmente nos bloqueia o raciocínio, que deveria ser sereno e não precipitado. É verdade que há emergências que aparecem de surpresa, mas muitas outras vezes a urgência que nos rouba a reflexão é fruto de tantos adiamentos indevidos na solução dos problemas, ou da falta de organização.

Há ainda o preconceito e a teimosia. Sim! Ficamos reféns de tantas ideias e coisas que, em certa altura, eram válidas e, com o passar do tempo, não nos demos conta de que as circunstâncias, a cultura, a realidade…mudaram. É como uma teimosia obstinada que ameaça “encalhar o barco da vida” e das relações que nela vivemos.

Por fim, a vaidade presunçosa. Há quem se idolatre a si mesmo de tal modo, que não é capaz de valorizar nem de ouvir ninguém: nem na família, nem no trabalho. Fala “pontificando”, impõe as coisas sem diálogo, desvaloriza o parecer dos outros, dispensando-se de refletir, e deixando de se enriquecer com as ponderações valiosas dos que o rodeiam.

Nunca como hoje precisamos de fomentar uma série de hábitos bons, que – ao contrário dos anteriores – permitem pensar a vida. Um deles é o bom uso da memória que pode criar, em nós, um acervo rico de experiência. Não me refiro à experiência de alguém que ficou traumatizado por um fracasso e agora teme qualquer outra coisa. A memória “reflexiva” é sempre um mestre experiente que orienta na edificação da vida. Outro, é humildade de pedir conselho e guardá-lo. Aliás, só quem é vaidoso e autossuficiente acha humilhante pedir um conselho a quem o pode dar. Temos de admitir, em determinadas questões, que não aprendemos nem sabemos tudo e, não basta pedir um parecer, temos que dirigir-nos a quem no-lo possa dar, desinteressada e retamente. Outro ainda é o hábito da meditação. Faz-nos muita falta reservar todos os dias um tempo para meditar, com calma e serenamente, sobre os assuntos que exigem uma decisão acertada. O silêncio, o esforço de pôr as ideias e os sentimentos em ordem, o exercício de tudo ordenar, para pensar melhor sobre as coisas, o exame de consciência, são premissas para uma reflexão objetiva e uma decisão lúcida.

Nestes dias, em que a chuva e o frio nos fazem estar em casa, aproveitemos para pensar a vida, usando bem o “relógio”, com a “memória” fresca e “meditando” humildemente o que temos vivido!