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Património no concelho de Mealhada - Observações. 15.


tags: Maria Alegria Marques Categorias: Opinião quarta, 13 novembro 2019

Hoje, centrar-nos-emos na paróquia de Casal Comba, a mais antiga do actual espaço concelhio de Mealhada. Apesar de não haver muitas fontes para o estudo do tema que abordamos, sempre pode adiantar-se que, até onde os registos o permitem, os inícios do século XVIII, na freguesia contavam-se seis ermidas ou capelas, a saber, São Domingos, na Pedrulha, N. S.ra da Apresentação, na Vimieira, Santo André, em Lendiosa, N. S.ra da Purificação, em Mala, Santa Luzia, no Carqueijo, N. S.ra da Esperança, em Silvã. Existentes na segunda década do século XVIII, fica-nos, contudo, sem saber, o tempo de sua origem, mas, de certeza, sempre anterior. Todas se destinavam quer a proporcionar missa aos moradores dos lugares, quer à administração dos sacramentos aos enfermos. Todas eram do povo. Mas os seus rendimentos eram partilhados com o provedor da comarca de Coimbra, funcionário régio que tutelava as questões de quem não tivesse capacidade de administrar os seus interesses ou de controlar a sua administração (órfãos, viúvas, defuntos, cativos, incapacitados) ou desempenhava funções ligadas às finanças (rendas e direitos reais, pagamento e recebimento das contas dos almoxarifes, à reparação das fortificações,etc.).

Olhando estes lugares religiosos e confrontando com a actualidade, verifica-se que, na generalidade, se mantêm as capelas antigas, a que o tempo e a vontade dos homens fez acrescer mais algumas, nomeadamente no Carqueijo, na Vimieira e na Pedrulha.

Uma outra nota a reter prende-se com a informação fornecida pela obra publicada pela Câmara Municipal de Mealhada, Inventário # 001. Património Cultural Civil e Religioso do Concelho de Mealhada. Não há qualquer coincidência, em datas, entre os dados aí fornecidos e os que se colhem em documentação histórica. Por esta, todas as capelas dos vários lugares da freguesia remontam a muito mais longe, no tempo, sendo, por isso, elemento de muito maior orgulho para os seus moradores. Não significa isto que não aceitemos as datas apresentadas. Mas não como o está. O problema é que a data, sendo apresentada num item chamado “época”, induz a pensar-se que o ano ou século indicados se tome como o de sua fundação. No caso desta freguesia, podemos afirmar que nenhuma das datas indicadas se pode tomar como tal, podendo, cremos, corresponder a qualquer obra de beneficiação ou restauro.

Para os menos versados, deve salientar-se que a mudança na invocação da capela de Mala - N. S.ra da Purificação, no século XVIII, N. S.ra das Candeias, hoje, são sinónimas, pois que a festa litúrgica conhecida como “das candeias” advém da liturgia própria da festa da Purificação de Nossa Senhora, celebrada pela Igreja, a 2 de Fevereiro, como é sabido.

Quanto a aspectos artísticos, é de salientar a capela de Mala, pela graciosa frontaria que ostenta, com elementos de um barroco tardio, a tender para o rococó. A torre sineira, elegante, é adaptação e não elemento estrutural sob o ponto de vista da linguagem artística.

Finalmente, a freguesia de Luso. Devemos, desde já, informar os leitores de que não nos dedicaremos ao Buçaco; caso contrário, estas notas, já de si em extensão temporal significativa, não mais teriam fim! Também não o cremos necessário, dada a proliferação de literatura sobre o Buçaco. A freguesia de Luso é a menos bafejada em documentação histórica que nos elucide sobre o seu património religioso, espelho da crença das suas gentes.

Sabe-se que no início do século XVIII havia seis ermidas, todas do povo. Eram pobres e, quando necessário, reparadas à custa do mesmo povo. Ora, comparando com a actualidade, eram menos de metade das existentes – em bom ou mau estado – na freguesia, sinal de que os povos foram sendo agradecidos aos seus patronos celestes. Vale a pena referir que a capela de Santo António, na vila de Luso, mostra frontal e painéis de azulejo de interesse, o que nem espanta, se se disser que são provenientes de capela da mata do Buçaco.

Elegemos o processo de fundação da capela do Salgueiral, em 1880, por motivos muito especiais que apresenta. Motivada pela distância à igreja matriz, penosa em tempo de Inverno, um grupo de moradores, seis casais, um viúvo, uma viúva e mais três homens solteiros, todos lavradores e proprietários, obrigaram-se, por si e seus sucessores, perante o tabelião da Mealhada, José Duarte da Pega, para a compra dos paramentos e manutenção da capela em estado de decência e asseio, sob penas que acordaram. Os moradores obrigavam-se por uma capela de Santa Bárbara, com festa anual à Santa ou a N.ª S.ra da Anunciação. A licença, obtida em 30 do mesmo mês, do Bispo D. Manuel Correia de Bastos Pina, contemplava uma capela com invocação de N.ª S.ra da Ajuda. Quem mudou e por que se mudou a invocação da capela do Salgueiral?

No Luso, ainda, teve lugar a fundação da Capela das Almas, aquela que tão grande protagonismo veio a ter nos dias da batalha do Buçaco. Construída por um certo Luís Rodrigues, de Santa Cristina de Mortágua, membro do mosteiro do Buçaco, com particular devoção às almas do Purgatório, nasceu de um simples painel inicial, levantado no lugar do Encarradouro, junto dos muros do Deserto, no alto da serra. De imediato provocou a devoção das gentes, que não só o procuravam, mas lhe deixavam esmolas. Com elas, o seu patrono fez construir um nicho, onde se poderiam acomodar meia dúzia de pessoas, para a oração em comum. A crescente procura, não só de devotos do culto das Almas, mas também de passageiros em caminho pela estrada pública, e de moradores dos povos contíguos, nomeadamente de aldeias de Luso, Trezoi e Carvalho, fez evoluir a pequenina construção para uma capela, que o dinamizador do culto local dotou com uma boa quantia. Estava-se em 1783-1784. Ninguém poderia pensar na sua profunda e humaníssima utilidade, de hospital de sangue, passados menos de trinta anos sobre a sua construção.