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Património no concelho de Mealhada - Observações. 17.


tags: Maria Alegria Marques Categorias: Opinião quarta, 11 dezembro 2019

No último número, chamávamos a atenção para o destaque que merece a presença de elementos arte nova no concelho. E citávamos o sempre notado edifício da Farmácia Brandão, obra reportada a 1911, da autoria do arquitecto Jaime Inácio dos Santos, personalidade contemporânea de outras, ilustres nas artes, em Portugal, na transição do século XIX ao XX, de que se destacaram Ernesto Korrodi, Francisco Augusto da Silva Rocha, José de Pinho e Carlos Mendes. É sobre o segundo que nos debruçamos, hoje. Quis um acaso que ao folhearmos um jornal semanal, numa das pretéritas semanas, dessemos com um nome, para nós, desconhecido: Francisco Augusto da Silva Rocha, arquitecto ligado ao movimento arte nova e, o que mais nos surpreendeu, natural de Mealhada. Procurámos a obra de Breda de Carvalho, Mealhada. A escrita do tempo (Mealhada: Associação dos Bombeiros Voluntários de Mealhada, 1997), na qual se elencam as figuras públicas da localidade (28, no juízo do autor), e confirmámos a sua ausência. Buscámos o escrito de Noémia B. Leitão e J. Machado Lopes, intitulado “Arte Nova – uma «revolução», de 1986, e encontrámos também o silêncio. Então, buscámos informação, como cumpria. Existe. E boa. Talvez tenha sido um acaso da vida, mas Francisco Augusto da Silva Rocha nasceu em Vacariça, a 24 de Setembro de 1864, filho de José Augusto da Silva, natural de Ançã, Cantanhede, canteiro, e de Vitória Maria da Rocha, de Vagos. É, pois, uma figura do concelho. E de primeira água. Autodidacta, verdadeiro self-made man, viria a fazer o seu percurso de vida em Aveiro, onde chegou aos mais altos lugares da sociedade do seu tempo. Mas foi na arquitectura e no ensino que o seu espírito deixou os maiores e duradouros frutos. Contemporâneo do movimento arte nova, foi essa a linguagem artística que elegeu nos seus trabalhos, tendo-se-lhe ficado a dever vários trabalhos, em Aveiro, entre eles, uma das jóias dessa gramática na cidade do Vouga, a chamada Casa do Major Pessoa, de 1908, hoje Museu de Arte Nova de Aveiro. Como arquitecto, Silva Rocha foi um homem empenhado no desenvolvimento das artes, especialmente o desenho, que soube integrar no ensino industrial. Percebeu o dinamismo da cidade e da região de Aveiro no que à indústria, particularmente da porcelana e da faiança dizia respeito – lembre-se o dinamismo da recente Fábrica da Vista Alegre, a fundação da Fábrica de Louça da Fonte Nova e da Fábrica dos irmãos Aleluia –, para lutar por uma escola de desenho. Foi, assim, um dos motores, senão o principal, da fundação da Escola de Desenho Industrial de Aveiro, em 1893, a funcionar no ano seguinte. Aliás, a Escola haveria de singrar em edifício de propriedade da família de sua esposa, nada menos que o emblemático edifício de um velho moinho de maré existente na cidade, hoje conhecido como o edifício da Capitania do Porto de Aveiro. E haveria de ganhar também a capacidade de ministrar o Curso Elementar do Comércio. Por ela passaram aqueles que ficariam lembrados pela sua qualidade artística na pintura da louça de Aveiro, bem como um nome de relevo na pintura portuguesa do século XX, Lauro Corado, o pintor de José Régio.

Para além de toda esta actividade, honra de vida de qualquer cidadão, Silva Rocha teve ainda uma importante acção na Misericórdia de Aveiro e na vereação da Câmara de Aveiro.

            Ciente de que nascer num local pode ser fruto de um absoluto mero acaso, estamos convicta de que Francisco Augusto da Silva Rocha mereceria, e muito bem, que o seu nome figurasse no concelho, mormente na terra que o viu nascer, a Vacariça. Possuidor de um talento que soube colocar ao serviço da sociedade em que viveu, e pelo seu esforço, logrou alcançar o mérito, o que, junto com o seu exemplo de vida, lhe valeu o reconhecimento dos seus contemporâneos. Bom seria que os seus conterrâneos, soubessem, ao menos, da sua existência e do valor da sua obra. Num concelho, também ele, falho de personalidades de renome, é nome a fixar e a lembrar.