Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

«Um ano novo cheio de muito amor»


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião sexta, 10 janeiro 2020

Nestes últimos dias, foram muitas as mensagens de amigos que, através das redes sociais, me desejaram “um ano novo cheio de muito amor”. Embora seja uma frase feita, não duvido da verdadeira intenção de todos os que me as enviaram. Na verdade, haverá coisa melhor que poderemos querer para nós e para os outros que o amor?

Entretanto, há sempre um perigo nestes desejos – sobretudo os que se referem ao amor, à paz, à justiça –, é ficarem pela mera intenção, não significando absolutamente nada na vida de quem os deseja e de quem os recebe. Desejar a alguém “um ano novo cheio de muito amor”, é também comprometer-se na tarefa de tornar concreto, no dia dia-a-dia, esse «muito amor» que se deseja.

Sim! Desejar «muito amor» é dizer: «Quero depender de ti. Vou contigo até ao fim do mundo, porque quero que a minha felicidade provenha e dependa também de ti». Não há amor e amizade, sem «mendigar» esse mesmo amor e amizade. Conjugar a vida e as relações com os outros, numa relação de amor e amizade, é sermos capazes de dizer a cada um que me rodeia: «És importante para mim, constituis a minha riqueza; sem ti, não consigo viver».

Depois, quem deseja «muito amor», terá mesmo de amar e isso significa tomar sempre a dianteira. Disponibilizar-se, antes mesmo de ser solicitado. Não ficar à espera de que o outro o peça; poupar-lhe a «humilhação», porque quem tem de pedir sente-se sempre pobre e pouco à vontade. Amor exige saber oferecer, isto é, tomar a iniciativa, aproximar-se de alguém; não passar ao lado dos outros, com indiferença, mas passar para o lado deles, com compromisso; sanar as suas feridas, prestar-lhes os cuidados necessários ao seu coração, adiantar-lhes diariamente a dose que sobeja de confiança e de ternura. É manter-se atento aos sinais que os outros emitem, sem distrações egoístas, mas zelosos no serviço.

Só ama quem se oferece a si mesmo. Às vezes, confunde-se o coração com a carteira, embora o bolso do casaco se situe perto daquele órgão vital. Quando empresto os meus haveres ou dispenso o meu tempo, corro sempre o risco de que os outros os deteriorem ou se esqueçam de mos devolver. Mas quando enriqueço os outros com o que sou e com aquilo que Deus é para mim, quem sai beneficiado sou sempre eu, e os outros tornam-se afinal meus benfeitores. Se me doo totalmente, cresço e enriqueço interiormente; abro-me à diferença, canalizo para mim o melhor que os irmãos possuem e passo a contemplá-los como dom e não com um peso incómodo.

O importante é que eu não ofereça nada do que me sobra ou do que reputo como supérfluo, mas ofereça do que me faz falta, do que vivo, do que sou e me caracteriza, do que os outros apreciam em mim, da minha indigência que tenho para viver. Aliás, forneço sempre aos outros um produto falsificado e contrafeito, se não me dou a mim mesmo. Só eu e eles, na verdade e na beleza do que somos, no íntimo de cada um, constituímos um «artigo certificado».

Desejar amor é também saber acolher os outros. É mais que recebê-los. Podemos receber coisas, mas acolher, só o fazemos a pessoas. Implica estar presente, abrir o coração, dizer sim, dar as mãos, trocar estimas, procurar os olhos, saborear a alegria de quem chega junto de nós, acomodá-los a nós, ao nosso tempo – mesmo que nos falte –, à nossa vida.

Não há acolhimento sem regaço, sem calor humano, sem gestos cordiais e carinhosos, sem que o outro seja considerado pelo melhor que nele existe, independentemente das suas fragilidades, falhas e misérias. Acolher os outros é aceitá-los como são, suportá-los, ou seja, transportá-los ao colo, para que escutem o nosso coração a dizer-lhes o amor que lhes temos. Acolher os outos, segundo o amor, é não pretender dominá-los, domesticá-los, ou alterá-los pela força, pela chantagem, pela ameaça. Amor é acolhimento porque faz com que eu trate os outros com desvelo, mimo, ternura, compaixão, afeição…

Estou certo de uma coisa: se o ano novo que agora começa for marcado por um amor que se faz oferta do que somos e acolhimento do que os outros são, daqui a uns meses, poderemos não estar mais ricos, mas seremos todos muito mais felizes. Um bom ano novo a todos e a cada um.