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Se não me tiram daqui eu morro…


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião sexta, 21 fevereiro 2020

Já lá vão alguns anos, mas recordo-me de um dia ter visitado uma pessoa, idosa e doente, em casa de um dos filhos. Sentada numa cadeira, num canto de uma sala fria, dizia-me:

- Ajude-me a ir para qualquer lado, nem que seja o hospital. Mas quero sair daqui!

Na altura, fiquei perplexo com aquele pedido e curioso pelas razões de mo ter feito. Entretanto, tentei animá-la e não aprofundei mais o assunto. Passados uns tempos, numa nova visita, aquela senhora voltou a fazer-me o mesmo pedido, mas já de uma maneira desesperada:

- Se não me tiram daqui eu morro. Mas, se calhar é melhor morrer que este viver!

Chocado, resolvi questioná-la das razões para querer ir para um lar ou um hospital. Lembra-me, como se fosse hoje, a sua resposta:

- Aqui, sinto-me a mais. Não posso dizer nada. Se pergunto alguma coisa, respondem-me mal. Por vezes, nem dão conta de mim. Eu sei que eles todos têm muitos afazeres. Mas não há uma palavra de carinho, de preocupação, de aconchego. Eu sei que estou a ser um peso para eles…. Estou aqui metida a um canto. Mas, eu não tenho culpa de estar doente, de ser velha…! Ah, se eu pudesse, como antigamente!

O seu dizer era em tom sofrido e angustiado.

- A minha doença nos ossos já me dá dores insuportáveis. Já uso fralda e nem consigo dar um passo sozinha. Mas o que me custa mais, até me dói, é o desprezo com que me tratam. E tanto bem que lhes fiz…! Nosso Senhor me leve rápido. Prefiro a morte!

Entretanto, na passada semana, num diálogo com alguns enfermeiros que trabalham nos CHUC, um deles dizia-me que há muitos que ali vão e pedem para ficar internados, não é que não tenham para onde ir, ou família, mas pelo facto de se sentirem melhor no hospital do que em casa.

Com efeito, para muitos doentes e pessoas idosas, viver com as famílias significa estar sob pressão, castigados por imposições quase desumanas, por regras e critérios humilhantes e por serem descartados de todas as decisões, conversas e, por vezes, até da convivência familiar.

Nego-me a debater o tema da eutanásia, muito menos concordo com qualquer referendo. A vida é um valor sagrado e inviolável. Respeito religiosamente todos os que possam pensar diferente. Mas, nunca deixarei de afirmar que não é a dor que tira sentido à vida, é sim, a falta de amor. Não é o sofrimento que leva a pessoa a querer morrer, mas é não se sentir verdadeiramente amada. Porque quando se vive o amor, que se dá e recebe, de tantas maneiras, mesmo que haja sofrimentos insuportáveis, a vida não perde o sabor nem o sentido.

Nestes dias de folia e divertimento, também de forma festiva na nossa região, não deixemos escapar o essencial da nossa vida, aquilo que lhe dá sentido e significado: o amor que partilhamos, porque nos damos e acolhemos os outros que se nos dão.