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Do desejo à decisão de ser melhor…


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião terça, 12 janeiro 2021

Uma pessoa amiga, nos últimos dias do ano que agora terminou, partilhava comigo, com um semblante sério e nervoso, acompanhado por uma voz determinada:

 

- No início do ano, irei começar uma dieta rigorosa. Comer pouco e doces nunca mais!

 

Confesso que sorri perante tal afirmação e o mais interessante é que, enquanto mo dizia, essa pessoa comia sofregamente um delicioso biscoito, cheio de calorias, olhando gulosamente para os poucos que restavam no frasco.

Vem isto a propósito dos imensos desejos, pedidos e votos que muitos fazem, na passagem e no início de cada ano. A comemoração do tempo, marcado por datas e acontecimentos, é propício a estas coisas, embora, em muitos casos, sejam pouco consequentes. Não porque não sejam até necessárias, mas as circunstâncias e as emoções destas ocasiões não ajudam a perceber as implicações que tais desejos trazem consigo.

Depois, há aqueles que fazem tudo para ter sorte e fintar o “destino”, com rituais verdadeiramente estranhos, alguns resumindo-se ao uso de roupa interior de determinada cor, ou sair de casa para voltar a entrar com o “pé direito”. Aliás, nunca cheguei a entender bem esta expressão, pois quem entra com o pé direito, nunca chegará a entrar definitivamente, fica a meio. O pé direito, ou o esquerdo, precisam um do outro, para que o passo seja completo, ou então, nunca se chega a entrar e, pior, pode dar-se o “desequilíbrio” e a consequente “queda”.

Acredito, que depois de um ano tão duro e difícil, cheio de contrariedades e marcado por tanta pressão, ansiedade, sofrimento e transtornos por causa da pandemia e do que ela está a provocar, na vida de todos, seja esta uma forma de tentar aliviar tensões e olhar o futuro com otimismo. Com efeito, estas coisas, misturadas com alegria e diversão, ajudam, mas parece-me que não são suficientes, isto é, não chegam.

Hoje, mais do que nunca, nas circunstâncias que todos vivemos, pessoal e comunitariamente, mais do que termos desejos que, muitas vezes, são meras ilusões; mais do que promessas que se resumem a meras reações ao momentâneo das emoções e das circunstâncias; mais do que procurar a sorte e afastar o azar, como se a vida de cada um dependesse de um qualquer amuleto; precisamos de descobrir, com verdade, o que de facto precisamos.

Sim! Quais são as nossas verdadeiras necessidades para podermos ser mais felizes, sermos melhores connosco próprios e com os outros? Onde e o que temos de buscar, no viver de cada dia, para alcançarmos a paz que nos falta, a alegria que nos escapa, o ânimo que se perde permanentemente, a coragem que constantemente desaparece da nossa vida? Como e com o que havemos de preencher aqueles vazios que dentro de nós se fazem sentir, tornando-nos reféns do medo do amanhã, da insegurança do que somos capazes, da incerteza do que podemos contar com os outros, no fundo, reféns da angústia de nunca conseguirmos ser felizes?

Sem dar resposta a estas questões e a tantas outras que elas acarretam no nosso íntimo, tudo o que possamos desejar e prometer, pode até ser engraçado, mas serve de pouco ou nada ao que somos e à felicidade que ansiamos. Por isso, no início de um novo ano, precisamos de passar da superficialidade de tantas ilusões e fantasias que nos embriagam e enganam, para, com profundidade, em nós próprios, vermos com clarividência, como estamos e o que temos de fazer para mudar e ser melhor, em nós e à nossa volta.

Não sei se o ano que agora começou vai trazer coisas boas ou não. Só sei que eu e cada um, pode ser melhor. Mais importante do que bom que a vida nos pode dar, é aquilo que podemos dar de bom e de belo à vida dos outros, a começar pelos que nos rodeiam, aqueles que amamos, aqueles que connosco protagonizam a mesma história. Alguém me dizia, referindo-se à sua família:

 

- Quando eles estão bem, eu também estou bem!

 

Um novo ano, pode até ter desejos, votos, promessas e um sem fim de boas intenções, mas se lhe faltar o compromisso de cada em se ser melhor, resolvendo, em si, o que não está bem, procurando concertar o que não está certo com os outros e acolhendo de todos, também de Deus, aquilo que lhe falta, tudo continuará igual, senão pior!

Li, não sei onde, uma frase que afirmava: “a vida não muda com desejos, mas com decisões”. Que este novo ano seja, para todos e cada um, um tempo de decisões e opções, conscientes e responsáveis, para sermos melhores, para ficarmos melhores, desde o nosso interior. Que consigamos decidir melhorar as relações que estabelecemos, desde a forma como falamos com os outros ao que deles dizemos; a melhorar o exercício da nossa missão com mais competência, seja profissional, associativa, institucional ou familiar; a melhorar aquilo e aqueles que nos rodeiam e connosco se cruzam, no civismo, na interajuda, na busca e construção do bem comum. Se assim acontecer, apesar de tudo de menos bom e até de mau que neste novo ano possa acontecer, a nossa vida vai melhorar, porque fomos melhores!

Feliz Ano Novo!