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A administração local: acerca dos concelhos (2) | Opinião


tags: Maria Alegria Marques Categorias: Opinião terça, 22 fevereiro 2022

Surgidos em tempos de guerras, não admira que os concelhos tenham adquirido características que os ligam tanto à tradição peninsular, isto é, dos povos que, sucessivamente, foram ocupando a Península, com particular destaque para os romanos e, após, eles, os visigodos (veja-se, assim, que os forais são, maioritariamente escritos em latim), como às práticas administrativas muçulmanas, sobretudo pelo mimetismo de nomes e funções dos homens que serviam os concelhos.

É, assim, que encontramos nomes como juiz, alvazil ou alcalde para designar o ou os principais funcionários concelhios (normalmente eram dois), aquele(s) que tinha(m) a capacidade de administrar a justiça, função local, como se vê (acima deles, apenas o rei, nos concelhos régios, e o representante dos senhores e o rei, nos de cariz senhorial, como nas honras e nos coutos, terras privilegiadas, isto é, e como a palavra indica, providas de lex privata, lei própria), o alcaide ou pretor, com funções militares, jurisdicionais e administrativas, representante do rei nos concelhos, por vezes, um nobre, que, por isso mesmo, tendo que servir o rei, sobretudo na guerra e no seu conselho, eram substituídos pelo alcaidemenor, um homem oriundo da comunidade local. Outros funcionários havia, de que se destacava o mordomo ou vigário, com funções fiscais.

Ao lado dos funcionários, havia ainda o órgão próprio do concelho, aliás, a sua grande característica, tanto que lhe deu o nome, o concilium (raiz da palavra concelho), isto é a assembleia dos membros da comunidade. É interessante notar que, do mais antigo que se conhece, ele englobava todos os moradores livres locais (lembremo-nos que, se a escravatura se foi diluindo, entre os europeus, ao longo dos tempos, a servidão seria a sua substituta e duraria séculos, pelo menos até ao XIII), o que significa que nela participavam também as mulheres que não tinham pai ou marido que as representassem. As funções desta assembleia consistiam na eleição dos funcionários que representavam a comunidade e exerciam a justiça, julgando os pleitos que diziam respeito à própria comunidade e corroborando decisões dos juízes.

Veja-se, portanto, a actualidade desta instituição: por um lado, os concelhos assumem-se como uma instituição que foi capaz de sobreviver à passagem do tempo, dos séculos que levam tantas das comunidades peninsulares; por outro lado, veja-se como persistiram alguns termos deste mundo das origens, como é o caso das palavras juiz e alcalde. A primeira usou-se, entre nós, durante séculos com o sentido que aqui lhe ajuntamos e só se acantonou no mundo da magistratura judicial quando, na vida concelhia se substituiu pela palavra presidente. Embora esta palavra não fosse desconhecida na vida concelhia portuguesa, o seu uso foi muito raro ao longo dos séculos. Só no século XIX e pela grande influência que a administração francesa – napoleónica – exerceu entre nós, ela entrou dominante na nossa administração local. Já a palavra alcalde está ainda em uso em Espanha (hoje, também no seu feminino alcaldesa, no sinal da abertura da política às mulheres), para designar o mesmo magistrado que na Idade Média, isto é, o mais importante na escala dos funcionários concelhios eleitos.

Como em todos os campos do viver humano, a instituição concelhia foi sofrendo alterações, que significam a sua evolução. Aconteceram nas suas funções – que se foram alargando até pelo fim da guerra da Reconquista entre nós (1249, com a conquista do Algarve) e a necessidade de lançar mão a outros problemas das comunidades, como as alterações na economia e na sociedade – e, naturalmente, nos seus oficiais. Daí que, no século XIII, o quadro de funcionários concelhios se tenha alargado substancialmente, com o aparecimento de novos e promissores – pelo menos no nome – agentes da administração local. Deles falaremos no próximo artigo.