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Diária

Erguer a Mata a Património Mundial da UNESCO encarando o futuro com uma ''tranquilidade absoluta''


tags: Mealhada, Mata do Bussaco Categorias: Especial quarta, 23 fevereiro 2022

Guilherme Duarte foi nomeado, no dia 1 de fevereiro de 2021, presidente da Fundação Mata do Bussaco, em regime interino e pro-bono. Após um ano, e depois da alteração do decreto-lei em junho de 2021 que implica que seja o Governo a nomear o presidente, é criada a lógica de suspender as nomeações por força das eleições legislativas antecipadas. Guilherme Duarte, anterior vice-presidente da Câmara Municipal da Mealhada e que agora cumpre funções para o Ministério da Educação, continua ainda como presidente da Fundação. Numa entrevista ao nosso jornal, partilha o balanço desta jornada e as suas perspetivas. Quanto ao futuro, Guilherme Duarte admite uma “tranquilidade absoluta”.

 

Fez agora um ano, dia 1 de fevereiro, que assumiu a presidência da Fundação Mata do Bussaco. Qual é o balanço?

O balanço é positivo. E é positivo porque apesar de ter sido um ano muito difícil, uma vez que foi um ano que se iniciou com a pandemia e estivemos praticamente até finais de maio com a Mata encerrada, tirando os serviços básicos de limpeza e manutenção, tivemos depois uma retoma que, dentro dos condicionalismos possíveis, foi espectável e correu dentro daquilo que nós achávamos que podíamos fazer até final do ano.

 

E que intervenções foram realizadas neste último ano?

O nosso foco virou-se, nos primeiros tempos, em aumentar a estabilidade do quadro de pessoal desta casa. A Fundação tinha muitos prestadores de serviços, alguns com mais de uma dezena de anos. Para isso foi feito um concurso, através de uma entidade externa que supervisionou o mesmo, e que permitiu que alguns postos de trabalho fossem ocupados por gente do quadro. E ainda temos vários procedimentos para concluir que ainda não foram feitos.

Também não descurámos e temos feito algum trabalho relevante no que toca à candidatura a Património Mundial da UNESCO, esta que é uma bandeira municipal. A empresa Blue Heart está a trabalhar connosco e todos nós tínhamos a ambição que no ano de 2022 fosse entregue a candidatura e esta foi uma candidatura que fizemos inicialmente.

Depois preocupámo-nos com uma questão muito importante. Sendo uma Mata secular, é uma Mata que está sujeita às intempéries e temos tido uma preocupação enorme de tentar melhorar o aspeto geral da Mata de forma a que os visitantes possam sentir-se melhor na mesma. Esse é um esforço enorme, e desiluda-se quem acha que consegue fazer tudo, porque nunca conseguirá. Nunca nos podemos esquecer da velha máxima de que estamos a falar de um arboreto, algum dele secular, que é um ser vivo que nasce, cresce e morre. E tudo isso vai fazer com que a nossa Mata também sofra dessas maleitas e de algumas doenças próprias que tem e, portanto, temos tido um trabalho bastante hercúleo, no qual os nossos funcionários têm dado resposta de uma forma muito significativa. E os voluntariados e as ajudas externas que nos têm ajudado imenso.

Outra parte importante foi quando o Fundo Ambiental, diretamente ligado ao Ministério do Ambiente, nos convidou a fazer uma proposta de trabalho, de tal forma a que pudéssemos fazer um investimento na Mata de 250 mil euros, em que a Fundação teve que desenvolver vários procedimentos para melhorar no apoio à visitação. Nomeadamente uma melhor sinalética, mesas de piquenique distribuídas - que ainda não está concluído -, os portões na Mata em que dois foram reabilitados e outros foram reinstalados, de forma a que – e esperamos que isso nunca venha a acontecer – numa situação de emergência a Mata deva ficar fechada.

Fizemos também a recuperação de uma habitação que chamámos a “Casa de Apoio ao Voluntário” que está devidamente arranjada, permitindo que possamos ter realojados cinco jovens europeus que decidiram abraçar a causa pública e vir até à Mata Nacional do Bussaco, através do protocolo com a associação ambientalista “Vamos Plantar Uma Árvore”, e ajudam-nos no dia-a-dia no combate às espécies invasoras, essencialmente.

E temos um projeto ligado à modernização administrativa, que visa colocar na Mata umas portagens automáticas de forma a que os jovens que nos ajudam na cobrança das receitas possam fazer outro tipo de tarefas, ao invés de estarem naquelas condições que não são as mais desejáveis.

Temos outro projeto, que é um projeto Interreg, um projeto transfronteiriço com Espanha, onde iremos também fazer alguns melhoramentos na Mata, em que alguns estão já a decorrer, como criar um espaço educativo e colocar sistemas de rega nos nossos jardins.

Estes são os principais projetos, mas o grande foco é a candidatura a Património Mundial da UNESCO. Estamos a limpar a casa, estamos a arrumar a casa e estamos, neste momento, focados essencialmente com o património florestal. É evidente que a parte turística e religiosa nunca foi descurada nem pode ser, tanto que estamos a elaborar uma candidatura ao Turismo de Portugal de forma a que possamos também criar novas valências na área do turismo para captar gente, para vir ao concelho da Mealhada porque vir ao Bussaco traz valor económico ao nosso concelho. Não nos esquecemos que com os novos estatutos, esta grande mudança permite que nós possamos criar um concurso internacional, de forma a que o Palace Hotel possa estar sujeito a esta candidatura, permitindo melhorar a fonte de financiamento da Mata. Porque neste momento o hotel paga uma taxa anual à Fundação que é variável em função do volume de negócios. Em 2020, referente a 2019, a FMB recebeu cerca de 60 mil euros. Em 2021, recebeu 8 mil e poucos euros. E em 2022, não sabemos, mas de certeza que não será um valor significativo.

 

E qual é a avaliação do trabalho que já foi feito?

Eu considero que a Mata nunca esteve em autogestão. Esteve sempre a ser gerida por uma eficiência direta. Nomeadamente, não está de acordo com os novos estatutos porque os novos estatutos permitem que o novo Conselho Diretivo tenha várias entidades, enquanto que de acordo com os estatutos anteriores o Conselho Diretivo era constituído pelo Presidente e pelo representante do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. É o que nós estamos a fazer. Falamos todos os dias e todos os dias há uma troca de opinião.

 

O que é que ainda falta fazer?

Muito. Eu estive no executivo municipal entre 2013 e 2021, vi o carinho que o executivo municipal manifestou pela Mata ao longo destes 8 anos, carinho esse que terá que ser exatamente igual pelo atual executivo.

A capacidade orçamental da Fundação não permite desenvolver longos projetos. Neste momento, iniciaram-se as obras de recuperação das antigas garagens do Palace. É uma obra com a tutela da Câmara Municipal que deve rondar os 150 mil euros. E temos o Chalé de Santa Teresa e algumas casas que já foram recuperadas há uns anos atrás que são um potencial enorme de alojamento local e algumas delas estão a necessitar já de intervenção.

Portanto, há um património edificado que sem ajudas externas, nomeadamente do Município e do Estado Central, não será possível executar qualquer obra porque a Fundação não consegue criar receita de forma a ter capacidade financeira. E os relatórios e contas dizem isso mesmo. Em 2021 apresenta saldo positivo, mas eu tenho consciência que se deve a duas componentes importantes: ao apoio financeiro que o município atribuiu à Fundação e ao facto do presidente da Fundação, eu neste caso, não ter auferido um cêntimo nesta casa.

Com o apoio do Fundo Ambiental, tenho a promessa que no próximo ano vamos ter bastante melhorado o protocolo que fizemos no ano passado para continuar a melhorar as condições de apoio à visitação, nomeadamente, com a instalação de viaturas elétricas que permitam pessoas com dificuldade de mobilidade ou mobilidade reduzida e assim se torne um espaço também inclusivo. Que será uma realidade dentro da Mata, como também recuperar os viveiros florestais que vão ser alvo também dessa candidatura. Estes viveiros serão um potencial e até uma fonte de financiamento da própria Mata, que precisam de ser recuperados, apesar de estarem limpos e arranjados. Queremos continuar a melhorar a sinalética dentro da Mata, de forma a que o turista possa sair daqui com tudo aquilo que vê.

 

Relativamente às portagens automáticas, elas surgem para suprimir o facto de nem sempre estar alguém nas cancelas?

As portagens automáticas visam, de uma forma muito simplista, fazer exatamente o que se passa num parque de estacionamento. Nós queremos ter a Mata fechada 24h por dia. Quero com isto dizer que eu consigo uma receita alternativa, desde as 17h, 18h, ou 19h, conforme a altura do ano, até às 9h ou 10h da manhã do dia seguinte. E esta receita alternativa dá-nos a capacidade de ter uma empresa para vigiar a Mata. Porque eu enumeraria algumas atrocidades que se fazem durante a noite nesta casa, que algumas são pura malvadez, desde roubos a animais aparecerem mortos. Portanto, a Mata fica aberta durante a noite, mas aberta para quem vem por bem. Eu gostava que todas as pessoas do concelho tivessem um Cartão Concelhio que permite vir todos os dias à Mata, a 0,04 cêntimos por dia, de forma segura. Esse é o grande objetivo e temos tido uma grande adesão.

Por outro lado, a tarifa noturna de 15€ só existe para quem quiser pernoitar na Mata. Porque quem quer vir passear à noite, continua a pagar os 6€, se não tiver Cartão Concelhio. Se alguém decidir trazer a autocaravana e passar aqui a noite, em vez de ir para o parque de campismo, aí sim vai pagar os 15€.

 

A Mata do Bussaco é então, sem dúvida, um potencial para o concelho?

Enorme. A Mata representa muito para todos nós. A Mata não é do concelho, a Mata é nacional. A Mata do Bussaco é uma joia da coroa como toda a gente diz, e muito bem, em que nós todos devemos abraçá-la de forma a que possamos potenciá-la, trazendo mais gente ao nosso concelho. É uma forma de termos o turismo religioso e cultural. Tudo aquilo que nós quisermos inserir no turismo, aqui, no Bussaco, podemos e fazemos coisas fantásticas.

 

“Se acharem que eu posso desempenhar o lugar, fico muito satisfeito. Se acharem que eu não devo desempenhar o lugar, eu fico de consciência muito tranquila”

Guilherme Duarte, na altura também vice-presidente da Câmara Municipal da Mealhada, foi nomeado presidente da Fundação Mata do Bussaco (FMB), em regime interino e “pro bono”. Esta decisão foi tomada por maioria, em reunião de Executivo Municipal, numa altura em que a Câmara Municipal tinha o poder de nomear o presidente da Fundação Mata do Bussaco. Deste modo, Guilherme Duarte como já era detentor dos pelouros de Gestão e Manutenção de Espaços Florestais e de Espaços Verdes no Município, assumindo a presidência em regime “pro bono”, faria com que houvesse uma redução significativa de custos para a FMB, que, por força da pandemia e restrições no turismo, perdeu a quase totalidade das receitas.

Guilherme Duarte começa por recordar a nomeação, ainda pelo antigo executivo municipal: “Quando o anterior presidente da Câmara, em janeiro, nos abordou na Câmara Municipal, eu desde logo mostrei a minha disponibilidade por duas razões fundamentais: a primeira, eram já os espaços que eu ocupava. E a segunda, eu sou de formação professor da área das Ciências Naturais, portanto, é um espaço que me apaixona, é um espaço do qual eu gosto e do qual eu mostrei a minha disponibilidade completa para ocupar o lugar”, referiu, avançando que tinha “consciência que viria a ocupar este lugar transitoriamente”.

De acordo com o Presidente da FMB, a partir do momento que o decreto-lei sai houve a tentativa de que, no menor espaço de tempo, o governo nomeasse alguém a titulo definitivo. “Eu percebi claramente que a intenção municipal foi só uma: fazer com que não estivéssemos a onerar a Fundação, quando no fundo nós só tínhamos a parte das limpezas da Mata a funcionar. E, portanto, o decreto-lei entra em funcionamento e eu comecei de imediato a diligenciar perante, na altura, o secretário-geral de Estado, responsável pela área das florestas, a tentativa da resolução do problema. Porque a Fundação não podia parar. A Fundação abriu e a resposta que eu tive na altura foi muito simples: a 6 de julho pediu-me para assinar com o Ministério do Ambiente um protocolo com o Fundo Ambiental com as tais melhorias no apoio à visitação. Ou seja, na minha opinião, eu já não deveria ter assinado. Porque eu estaria numa função transitória, até os novos estatutos saírem”, mencionou.

Aquando da sua ida para Fundação, Guilherme Duarte contratou um escritório de advogados para assessoria jurídica às suas funções, que desde logo advertiu para não abandonar a sua função, até ser substituído, pelo princípio da continuidade em funções públicas. “E eu pensei: “então como é que vou fazer. Eu a partir de outubro, não estarei ligado à autarquia. Eu a partir de outubro, serei funcionário do Ministério da Educação”. Houve, da parte do Ministério da Educação, autorização expressa para que eu ficasse em regime interino a ocupar este espaço até haver uma nomeação. Daí, todos nós percebermos qual a razão porque eu parei com os vários procedimentos. Nós parámos com os concursos porque eu acho que isto tem de ser resolvido rapidamente. Porque eu quero. Porque eu sinto que a minha posição na Mata é uma posição de respeito, é uma posição institucional onde toda a gente respeita as decisões que eu tomo. Não tenho a ilusão de fazer tudo, tenho a ilusão do empenho absoluto, também com parcerias, por exemplo, com a Junta de Freguesia do Luso. Relativamente à relação com a autarquia, eu compreendo perfeitamente a posição que a autarquia tomou até aos dias de hoje. Se eu precisar de um canalizador ou de um funcionário municipal para me vir fazer uma tarefa, há prontidão nos serviços. E eu agradeço muito. Agora, a autarquia acha que neste momento sem a Fundação ter a situação do presidente resolvida não há grande envolvimento. Há uma relação cordial com a Fundação, mas não passa daí. Posso dizer que no ano passado, nesta altura, já tinham havido transferências financeiras no município para a Fundação porque vivemos essencialmente do bom tempo. Isto para dizer que o senhor Ministro, o senhor Secretário de Estado têm mais do que um documento a pedir, encarecidamente, para que o presidente da Fundação apareça num menor curto espaço de tempo possível, seja ele quem for”, esclareceu.

“Eu nunca pedi para o lugar ser para mim. Se acharem que eu posso desempenhar o lugar, eu fico muito satisfeito. Se acharem que eu não devo desempenhar o lugar, eu fico de consciência muito tranquila”, completou.

Para Guilherme Duarte, há disponibilidade em assumir a presidência, mas também há a compreensão de que possa não ser a pessoa indicada. “Durante um ano percebi claramente como é que o espaço funciona. Estou perfeitamente preparado e à vontade para me entregar ao cargo. Mas também estou perfeitamente preparado e compreendo que possa não ser eu a pessoa indicada”, avançou o presidente da Fundação, assegurando que já foi interpelado pelo Estado Central de forma a preparar o novo protocolo do Fundo Ambiental e, já o fez.

O presidente da Fundação revelou ainda que se deparou com uma situação, à qual teve de arranjar solução. “Quando me deparei com um projeto de Fundo Ambiental de 250 mil euros, eu pensei: “eu não vou ser substituído. Os projetos estão a decorrer. A Fundação não tem capacidade financeira para os pagar. Só tenho uma solução”. A solução foi chegar ao banco e com garantias pessoais contrair um financiamento que me permitiu fazer esses pagamentos. O Estado, depois de eu lhe ter provado e depois de tudo ter sido tudo inspecionado das intervenções que foram feitas, o Estado depositou o dinheiro na conta. E o empréstimo bancário que foi feito para fazer tudo isto, foi saudado. Eu atravessei-me até 31 de dezembro por todas estas contas”, avançou.

O futuro, esse é “perfeitamente tranquilo”. “Esta situação é que eu não quero. Porque é uma situação de fragilidade. E nós temos em mente muitos projetos interessantes para o Bussaco, porque o Bussaco tem um potencial enorme. E eu acho que vai ser algo muito bom se nós viermos a ser Património Mundial porque é um desejo de toda a gente. Que venha esse dia o mais depressa possível”, completou.

 

 

Cartão concelhio permite entrada todos os dias a qualquer hora

• A Fundação Mata do Bussaco, ciente da importância que a Mata Nacional do Bussaco tem para as populações que residem em seu redor, criou o “Cartão Concelhio”

• Este destina-se a oferecer condições especiais de utilização a todos aqueles que fazem da Mata parte do seu dia-a-dia. O cartão é direcionado aos munícipes dos concelhos da Mealhada, Mortágua e Penacova

• O “Cartão Concelhio” permite ao seu titular a entrada livre da sua viatura na Mata, podendo ser adquirido, por um valor anual de €15, no edifício/sede da Fundação Mata do Bussaco 

• Ao adquirir este cartão está a ajudar à preservação dos valores ambientais e patrimoniais da Mata Nacional do Bussaco