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Um abraço que foi bênção… | Opinião


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião sexta, 22 abril 2022

Os dias têm sido intensos, com os afazeres próprios da época e por tantas coisas que nos vão acontecendo, dentro e fora de nós. Mas, nesta azáfama, há um acontecimento que gostava de partilhar, neste início da Semana Santa.

Ao chegar à igreja da Mealhada, para a missa vespertina, do Domingo da Paixão, a Dana, menina de origem ucraniana, há vários anos a viver em Portugal, com os pais, e perfeitamente integrada e frequentando a Catequese, chamou-me:

- Senhor padre, esta é a minha tia que veio ontem da Ucrânia.

Sorri e olhei para a senhora, de meia idade, que estava junto dela. Confesso que fiquei desconcertado com o seu olhar de quem se sentia perdida e insegura.

Através da Dana, conversei um pouco com ela, pois não sabe falar português e eu não sei falar ucraniano. A certa altura, perguntei-lhe pela restante família:

- Os meus filhos ficaram lá! Vim eu!

Notei uma tremenda dor e uma angústia atroz no que dizia, com os olhos ficaram encharcados de lágrimas. Sem entender uma única palavra do que me falava, percebi que estava a sofrer algo horrível! Entretanto, a Dana lá foi traduzindo.

- Perdi tudo! Destruíram tudo!

E já não foi capaz de dizer mais, pois só as lágrimas puderam expressar o que o seu coração me queria falar. Toquei-lhe com delicadeza no rosto, tentando manifestar que sentia, um pouco, do seu sentir…! Perguntei-lhe, então, se durante a missa, a poderia chamar, para pedir a bênção de Deus para ela. Com um semblante de quem nada tem, ou melhor, de quem perdeu tudo, disse que sim.

A celebração iniciou-se, com solenidade e beleza. O canto do salmo levou cada um para a interioridade e a narração da Paixão fez estremecer a todos, sobretudo pela forma como foi proclamada. Havia um ambiente sereno e profundo de oração, na imensa assembleia presente, até nos mais novos.

Na pequena meditação, referi somente que a Paixão do Senhor Jesus nos dá a certeza que nunca estaremos sós, seja qual for o nosso sofrimento. Ele está connosco! O grande desafio é sermos capazes descobrir a Sua presença na nossa dor, mágoa, doença, medo, solidão…! Sim! Ele está connosco, porque a Sua Cruz é de amor e comunga de forma única, aquilo que somos, como pessoas, até a dor e a morte. Aliás, Ele, na Sua Cruz, ama a todos, crentes e não crentes! Ama a todos porque todos somos iguais nesta marca de drama e de mistério que é o sofrimento e a morte que nos atinge. Ele, amorosamente, assumiu tudo isso, para estar connosco e, em nós, dar-nos a vitória da Vida.

Depois, chamei a Dana e a tia. Ela lá veio do fundo da igreja. O seu semblante era de tristeza. Apresentei-a à assembleia e depois pedi à Dana que dissesse à tia que lhe iria dar uma bênção. Nisto, abri os braços, querendo fazer como o Senhor Jesus quando abraçou a Cruz, e envolvi-a, num abraço de ternura. Senti que o seu coração quase a “estoirar”, num batimento acelerado e forte, enquanto chorava compulsivamente. Quanto sofrimento e dor aquele coração estaria a sentir!

Sem mais, a comunidade começou a bater palmas, para ela, como que animá-la, ao mesmo tempo que chorava, partilhando também da sua dor.

A celebração continuou! Serena, bela e profunda. No final, percebi, com satisfação, que tínhamos todos celebrado e vivido um momento de graça, na simplicidade e com humanidade, onde o mistério divino se tornou tão presente e percetível.

Ao deitar-me, recordei aquele abraço, aquela mulher e de tantos outros que vivem dores e sofrimentos, na Ucrânia e ao nosso lado. Senti, em mim, o desafio de dizer a todos que, nesta Semana Santa, é o tempo de abraçar a cruz do Senhor, mas também abraçar, em Seu nome, a cruz daqueles que sofrem.

Não tenho dúvidas que, um abraço àquele que, ao nosso lado, carrega a «cruz da vida», ajudar-nos-á a decifrar melhor o Amor que representa a Cruz que Cristo abraçou e como ela é fonte de esperança para a humanidade.

Já agora, partilho uma imagem profética, onde um menino ucraniano abraça uma cruz!

 

Padre Rodolfo Leite