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Falta-me alguma coisa e não sei o quê… | Opinião


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião sexta, 17 junho 2022

Foi um início de manhã agradável, a conversar com um jovem que me procurou. Mal o conhecia, pois já terminou o curso e está a trabalhar. Não costuma vir à missa, nem participa em qualquer grupo da paróquia. Começámos por falar muito dele, da família, dos amigos, das histórias mais engraçadas do tempo da universidade e agora do seu trabalho, da namorada, com quem vai casar. Entretanto, a certa altura, perguntei-lhe:

- Sentes-te realizado?

Percebi que a resposta o atrapalhou. Mas rapidamente o ajudei, com outra pergunta:

- Quais são, agora, os teus projetos e sonhos para seres feliz?

Ele, encolhendo os ombros e com um semblante triste, respondeu:

- Por isso é que vim falar consigo. Sinto que tenho tudo, mas falta-me algo que não me deixa ser completo, ser feliz. Falta-me alguma coisa e não sei o quê. Já sei que me vai falar de Deus e da missa…!

Sorri para ele e sosseguei-o:

- Não, pelo menos para já…!

Depois, lá continuámos a conversa, agora falando mais eu, mas ele escutava-me com atenção. Comecei por alertá-lo que a felicidade não se inventa, mas constrói-se. Que essa realização feliz de uma pessoa, não é algo automático, não dependendo somente do esforço e do trabalho que cada um faz em favor de si. Isto é, não depende só do que uma pessoa faz ou tem, nem muito menos daqueles que a rodeiam. Trata-se, também e acima de tudo, de um trabalho interior, invisível, mas nem por isso menos exigente que outros trabalhos, como o estudo ou uma carreira profissional, ou até a vida familiar.

Muitas vezes é até muito mais fatigante porque nos faz correr o risco de colocar diante de nós mesmos a realidade que nem sempre queremos ver nem compreender, a verdade do que somos, em nós, sem fechar os olhos a nada, desde mágoas e feridas a defeitos e fraquezas. Sim! A vida interior exige coragem. É como iniciar uma viagem, não tanto em extensão, mas em profundidade, não fora de nós, mas dentro. E a dificuldade que podemos encontrar, ao início, perante a paisagem interior desconhecida, pode-nos desencorajar e revelar-nos que talvez precisamente esta seja a viagem mais longa e árdua que fazemos.

Com efeito, precisamos de coragem não só para nos interrogarmos, mas também para assumir o que temos sido, na vida, com verdade… os nossos traumas, as mágoas, os fracassos, os complexos, as doenças que nos atingiram; assim como a vida das pessoas queridas que foram dom para nós, as conquistas, os êxitos, as alegrias… tudo o que foi formando a trama da nossa história e deixou marcas e, agora, levanta questões, em nós. Disse-lhe mesmo:

- Para começares a perceber o que te falta, tens de ter coragem. Não temas este caminho interior, se queres ser feliz!

Depois, falei-lhe que o desejo amoroso de Deus, colocado no coração humano, é inextinguível. Santo Agostinho, disse-o de forma única: «Fizeste-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração anda inquieto até que não repouse em Vós!» Mas para descobrir isso, tem de se fazer, corajosamente, esse caminho interior.

Claro que o clima atual faz de tudo para esvaziar esta procura de felicidade plena, de impedir o encontro com Deus que nos ama infinitamente. O ser humano encontra-se como que perdido na ausência de certezas, arrebatado por um absurdo caracterizado pela multiplicação das sensações, sem sentido. Pode até querer encontrar-se com Deus imediatamente, mas só para satisfazer, de forma mágica, esse «algo» que lhe falta, aquilo que o pode satisfazer plenamente.

Imensas coisas, talvez até boas em si mesmas, vêm retirar a nossa atenção e tempo para esse caminho interior e para o encontro com Deus, essenciais para a felicidade, pois revestem-se da ilusão de parecerem ser até mais importantes. É a tentação de todos os dias, talvez a mais perigosa, porque põe em segundo lugar esse «algo» que nos falta, apesar de tudo o que já temos, mas não chega para sermos feliz.

Já agora, sem pôr em causa a oração de intercessão, para que sejamos felizes, está na hora de, corajosamente, cada um entrar em si, com verdade e de verdade, assumir o que está no seu interior, responder às questões que aí se levantam e, depois, pôr a sua vida diante Deus. É que existe uma estreita reciprocidade entre este caminho interior e o Amor que Ele tem por cada pessoa e a torna plenamente feliz.

Padre Rodolfo Leite