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Diária

Recomeçar sem voltar ao início


tags: Ano Novo Categorias: Opinião sexta, 26 janeiro 2024

Ano novo, vida nova, diz a sabedoria popular, sem valorizar, especialmente, outra grande verdade – apenas desdita pel’ O Leopardo, de Lampedusa – que garante que nada muda se os protagonistas, as atitudes e as opções foram as mesmas. Não se espere, portanto, que alguma coisa mude, se não mudarmos nós mesmos.

Mais um ano, mais um ciclo, mais expectativas, alguma Esperança. Cada ano novo pode ser a oportunidade que damos a nós próprios de fazer diferente perante aquilo que antecipadamente sabemos que nos vai desafiar.

O ano de 2024 pode ser um ano de viragem em muitas dimensões. Desde logo na dimensão politica. Eleições legislativas em Março, e um primeiro trimestre em campanha eleitoral. Uma campanha que se antevê dura, muito vivida nas redes sociais – entre discursos rudes e ásperos e muitas noticias falsas – e que vai culminar numa eleição decisiva, ou não… Decisiva, em primeiro lugar, se esclarecer e trouxer ao país um rumo e uma solução de estabilidade duradoura… Não, em segundo lugar, se não sendo nem estável nem duradoura, tivermos que ir a eleições novamente neste ano.

Teremos, também, eleições europeias em Junho, e um segundo trimestre em campanha eleitoral – ou seja, será meio ano em plebiscito –. Nessa eleição será o futuro da Europa a ser referendado. O que querem, efetivamente, os Europeus para o futuro do nosso espaço comum?

Em ambos os casos – Legislativas (uma ou mais) e Europeias –, para além do resultado (que muito provavelmente, dada a radicalização e a dureza do discurso político, não agradará a quase ninguém), interessará perceber o grau em que pode vir a ser colocada em causa a sua legitimidade. Analisar-se-á, certamente, se níveis elevados de abstenção não colocam em causa a própria legitimidade dos resultados eleitorais e, naturalmente, da própria Democracia. Acredito, sinceramente, que há esse risco, quando em Abril se assinalam os 50 anos da Revolução do 25 de Abril.   

No ano de 2024 ouviremos até à exaustão a palavra Liberdade. O cinquentenário da Revolução dos Cravos, o exercício cívico de (pelo menos) duas eleições democráticas, serão argumentos que nos remeterão para a Liberdade Politica e as suas expressões mais notórias.

Todos estes temas a pairar – Democracia, Eleições, Liberdade – farão, ainda, sentido num ano que será muito relevante em termos Autárquicos. Eleições Autárquicas em Outubro de 2025 farão deste ano de 2024 o tempo das grandes movimentações. Quem está no poder quererá apresentar obra – lançará concursos, fará grandes anúncios, distribuirá dinheiro que disse não ter nos últimos dois anos – e quem está na oposição radicalizará o discurso e, especialmente (assim se espera), sondará e preparará candidatos e candidaturas. É o circuito normal da Democracia e, se tal não acontecer, mal andarão as forças que a devem, pelo menos formalmente, assegurar.

Estamos, por isso, em tempos de recomeço. O que não significa que se volte ao inicio – à estaca zero, como se diz –. Recomeçar é relevante se for possível pegar no que foi feito até aqui – com as aprendizagens, os fracassos, as avaliações e as validações – e continuar a fazer, indo mais além, superando para proporcionar novos futuros e novos recomeços.

 

Mas nestas alturas de recomeço lembro-me sempre de duas coisas profundamente ligadas à nossa identidade regional: a serpente Ouroboros e o poema ‘Sísifo’ de Miguel Torga.

No poema, o poeta de Coimbra sugere-nos “Recomeça.../ Se puderes /Sem angústia/ E sem pressa.” E acrescenta: “Enquanto não alcances/ Não descanses. De nenhum fruto queiras só metade. (…) És homem, não te esqueças!/ Só é tua a loucura/ Onde, com lucidez, te reconheças...”. Vale a pena continuar a carregar a pedra até ao cimo da Montanha, se tivermos propósito nisso. Mesmo que pareça monótono, inglório, mesmo que a tarefa se destrua cada vez que é concluída.

Se com ‘Sísifo’ o recomeço nos parece uma condenação, já na Ouroboros – que Coimbra já assumiu como símbolo – o eterno retorno remete-nos para o movimento contínuo, autossustentado e autofecundo, para a evolução que cada um de nós é capaz de gerar, com conhecimento e com sabedoria.

Bom ano de 2024, cheio de Liberdade e Recomeços quanto baste.