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Escutar…


tags: Vida, Categorias: Opinião quarta, 07 fevereiro 2024

Grande parte dos meus dias são intensamente ocupados a escutar. Mesmo em situações menos difíceis, esta escuta requer de mim a virtude da paciência, juntamente com a capacidade de me deixar sempre surpreender pela verdade do outro que me fala, entre lágrimas e sorrisos, mesmo que seja apenas um fragmento dessa verdade que ele é e vive. Só o espanto permite o conhecimento e conduz ao encanto. Muitas vezes, penso na curiosidade infinita das crianças que olham para o mundo à sua volta, com os olhos arregalados, de espanto e encanto. Escutar os outros, com este estado de espírito, é algo sempre enriquecedor, pois há sempre qualquer coisa, por mínima que seja, que se aprende do outro e faz frutificar a vida de ambos.

O filósofo Pier Aldo Rovatti afirmava que o individualismo, atualmente dominante na sociedade, pode ser medido pela falta de escuta. Porque quando já não existe mais preocupação em escutar, obedece-se ao instinto que nos leva a falar, em todas as situações e circunstâncias, para afirmar que existimos, que estamos presentes, para ser ouvidos, no fundo, é a máxima: «falo logo existo!»

Isso já não acontece só em casa, nas famílias, onde cada vez mais se constata a «morte da escuta», mas também no espaço público, no âmbito social e cultural, no meio dos outros. Já se instalou, de forma generalizada, um estado de espírito de angústia diante do silêncio e de cansaço diante das palavras dos outros. E assim, desde quando nos levantamos até nos deitarmos, para dormir, sentimo-nos como que obrigados a falar, a nos fazermos ouvir. Pior, ainda, quando o outro fala connosco, pensamos mais em responder-lhe do que em ouvi-lo, ficamos impacientes para retomar a palavra, para sermos ouvidos. E, muitas vezes, quem está à nossa frente comporta-se da mesma forma, impossibilitando a comunicação e o diálogo.

Escutar, do latim «aus cultura», significa cultivar o ouvido, colocar o ouvido no peito, para prestar atenção à voz profunda que vem do outro, e é uma operação que deve colocar em comunicação o coração do outro com o próprio coração. Se é verdade, como lembra o «Principezinho» de Antoine de Saint-Exupéry, que “só se vê bem com o coração”, é igualmente verdade que só com o coração se pode ouvir bem. Pode-se, de facto, discernir o não dito, o sentido recôndito das palavras e das mensagens, só quando nos «a-cordamos», entramos em sintonia com a interioridade do outro.

Escutar não é uma tarefa fácil. Aprendemo-lo desde o ventre materno. E desde que nascemos, aprendemos a viver não só de leite, mas de cada palavra que sai da boca da mãe. A escuta gera a palavra. Justamente da escuta nasce o empenho, o esforço de todo o nosso ser, não só do órgão auditivo, para que o que chega aos ouvidos possa ser decifrado, interpretado, pensado, acolhido. A escuta, por um lado, é sempre escuta de um «outro», alguém diferente de nós, e requer humildade, paciência, luta contra os preconceitos. Por outro lado, a escuta é a primeira forma de respeito e de atenção do e ao outro, a primeira forma de cuidar do outro, para dar início a uma comunicação saudável.

Contudo, não devemos esquecer que a escuta dos outros é inerente à escuta do mundo e que devemos aprender a decifrar também as vozes, o grito da terra, das plantas, dos animais. Quem não consegue perceber a terra que «geme» e não sabe escutar a «voz» das plantas também terá uma escuta incompleta das pessoas. Escutar é a experiência que humaniza mais do que qualquer outra. Sim! Basta tentar, resolutamente, ficar em silêncio e «inclinar o ouvido» à beira-mar, numa floresta, ou numa montanha... Cada coisa tem uma «voz», e, se não padecermos de esclerose auditiva, podemos escutar como as outras criaturas têm uma «linguagem», todas nos transmitem uma mensagem que, se acolhida, nos ajuda a viver.

Por fim, hoje, a capacidade de escutar a sociedade é decisiva e preciosa, sobretudo neste tempo ferido pela guerra. Uma dificuldade é a grande desconfiança que se vai acumulando relativamente à «informação oficial», que tem causado, em muitas circunstâncias e âmbitos, uma espécie de «info-demia» social (Papa Francisco), dentro da qual é cada vez mais difícil tornar credível e transparente a verdade, sendo substituída pelo que interessa e se deseja afirmar! É preciso também aqui «inclinar o ouvido» e escutar em profundidade, sobretudo o mal-estar social, cada vez mais fortemente agravado e generalizado, pela crise económica.

Já agora, a escuta corresponde também ao estilo humilde de Deus. Ela permite a Deus revelar-Se como Aquele que, falando, cria o ser humano à Sua imagem e, ouvindo-o, reconhece-o como Seu interlocutor. Deus ama o ser humano: por isso dirige-lhe a Palavra, por isso «inclina o ouvido» para o escutar. Enfim, eu escuto, portanto, não estou sozinho, estou em relação com o outro, com o mundo e, se quiser, com Deus!

Padre Rodolfo Leite