Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

Fim


quarta, 21 fevereiro 2024

A Língua Portuguesa usa a mesma palavra para, ao mesmo tempo, definir o propósito de algo e o determinar do seu término. A palavra Fim remete-nos para o objetivo e para o momento em que algo acaba. É poético pensar que estão ligadas estas duas ideias, como que encerradas num mesmo vocábulo.

Há uma semana faleceu o Sr. Artur Louzado, um homem grande – na dimensão terrena e na envergadura cívica e social – que eu já conheci reformado. Lidei com ele durante cerca de vinte e cinco anos – como autarca, como colaborador do Jornal da Mealhada, como irmão da Santa Casa da Misericórdia da Mealhada, como cidadão do nosso concelho, atento e interventivo, como pai, avô e bisavô consciente e presente. Sempre o conheci dinâmico, sempre o vi jovial e militante. A consciência da sua idade talvez me tivesse remetido para uma ideia de eternidade, de quase imortalidade. O Homem que aos 75 anos ainda era o enfermeiro que nunca falhava numa injeção ou numa colheita de sangue, dava-lhe a aura de que o fim nunca aconteceria.

O Fim de Artur Louzado não deixa, no entanto, de nos remeter para a ideia de que há um Fim, o outro Fim, que todas as vidas têm de ter, e que a do ‘Artur Enfermeiro’ teve de sobra. Viveu uma Vida com propósito. E o propósito da sua Vida foi cuidar a Vida dos Outros. A vida corporal – como ‘profissional de saúde’ –, mas também a vida comunitária, a qualidade de vida de que falam os pensadores dos futuros e da Sustentabilidade. Foi um Cidadão. Na vida autárquica, no trabalho nas IPSS, nas associações, nos jornais. Deu-nos uma Vida com Sentido, um Sentido de que todos somos e permaneceremos beneficiários.   

Um Vida com Fim. E na hora do Fim, resta-nos agradecer a Graça da sua Vida.

No passado sábado realizou-se, pela última vez, a Feira da Mealhada. Um Fim anunciado, esperado, adiado, inevitável que não pode deixar de nos remeter para o outro Fim, o do propósito.

Um propósito que parece estar longe dos pensamentos de muitos. Em 1908 a Junta de Freguesia da Vacariça entendeu dar à Santa Casa da Misericórdia da Mealhada os terrenos anexos à Capela de Sant’Ana. Terrenos esses que tinham uma feira de gado relativamente perto, terrenos que tinham uma centralidade invejável, terrenos esses e que incluíam até um cemitério. Foi uma dádiva com um propósito: a de dar à nova instituição – nascida para gerir nada mais nada menos que um Hospital – uma fonte de financiamento que resultasse da instalação de uma feira semanal.

Aqueles terrenos, de 1908 até hoje, viram ser aberta uma estrada nacional, viram ser retirado o cemitério, viram ser construída uma nova escola, serviram para concertos das festas de Sant’Ana, foram sede escuteiros, a casa da equipa feminina de basquetebol do Desportivo da Mealhada, e até foram o espaço onde dois bispos celebraram na Jornada Mundial da Juventude. E durante estes 115 anos aqueles terrenos sempre foram o único Mercado do país que, apesar de lhe chamarem Municipal era privado, propriedade e gerido por uma instituição particular, de direito privado.  

O Fim da Feira da Mealhada corre o risco de ficar associada à ideia (boa ou má) que cada um pode ter sobre o novo Mercado da Mealhada – que politicamente e nos últimos dois anos foi gerido com os pés, com muita má vontade e com total ausência de bom-senso –. Mas a Feira não acabou por causa do Novo Mercado. O Novo Mercado é que nasceu porque os terrenos da feira são necessários para a construção de um novo Lar de Idosos – uma responsabilidade social e estatutária da Misericórdia da Mealhada. A Feira da Mealhada acabou para dar lugar a um propósito monumental, o de dar apoio e soluções de futuro e de qualidade de vida à comunidade com a construção de uma residência para 120 pessoas. E isso acontecerá com a maior revolução urbanística que a cidade teve nas últimas décadas e que terá nas seguintes, criando uma nova centralidade e uma revolução urbanística numa área que precisa tanto.

Um Fim que vale bem o Fim.