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"Peregrinação ao «santuário do amor»"


tags: Mealhada Categorias: Opinião quinta, 21 março 2024

A doença, sobretudo se grave, põe sempre em crise a existência humana e suscita interrogações que nos atingem em profundidade. Por vezes, o primeiro momento pode ser de revolta: Porque havia de acontecer precisamente a mim? Podemos sentir-nos desesperados, pensar que tudo está perdido, que já nada tem sentido...!

Nestas situações, a fé em Deus se, por um lado, é posta à prova, por outro, revela toda a sua força positiva; e não porque faça desaparecer a doença, a tribulação ou as interrogações que daí derivam, mas porque nos dá uma chave para podermos descobrir o sentido mais profundo daquilo que estamos a viver; uma chave que nos ajuda a ver como a doença pode ser o caminho para chegar a uma proximidade mais estreita com Jesus Cristo, que caminha ao nosso lado, carregando a Cruz.

Foi para fazer, em parte, esta experiência que cerca de 400 pessoas, das sete paróquias da Unidade Pastoral da Mealhada, no passado sábado, «peregrinaram» até Fátima, mesmo com um tempo chuvoso e frio. O momento mais profundo e marcante foi a visita ao Centro de Deficientes Profundos João Paulo II. Aquela instituição da União das Misericórdias é um verdadeiro «santuário de amor». Aqueles 200 utentes, deficientes profundos, contam com o coração e o profissionalismo dos mais de 200 técnicos e colaboradores da instituição e, também, com o grande investimento feito pelas Santas Casas da Misericórdia de todo o país (à exceção da de Lisboa que é tutelada pelo Estado), para dar a melhor resposta às suas grandes e específicas necessidades.

Foi com emoção que ouvimos os testemunhos de alguns que ali se encontram e pudemos ver os sorrisos e as expressões de alegria com que nos acolherem. Sentimo-nos todos abraçados, a partir do belo e puro coração que são, apesar dos limites que têm! Foi bom…, muito bom! Fez pensar, refletir e perceber que somos tão injustos com os nossos queixumes, somos tão ridículos com tantas coisas mesquinhas que nos ocupam e desgastam, somos tão banais com as nossas preocupações!

O João, rapaz novo, após um acidente de bicicleta, ficou tetraplégico. Quando lhe perguntei se ainda sonhava, ele respondeu serena e convictamente, perante aquelas centenas de pessoas:

- Sim! Tenho sonhos… ainda sonho!

O Papa João Paulo II, num texto sobre o sofrimento humano, afirmava: “O sofrimento humano atingiu o seu vértice na paixão de Cristo; e, ao mesmo tempo, revestiu-se de uma dimensão completamente nova e entrou numa ordem nova: ele foi associado ao amor (…)” (SD, nº 18). Associar o sofrimento ao Amor e recusar o sofrimento como punição ou castigo continua a ser revolucionário, no nosso mundo. Por isso, naquela instituição, no sábado passado, aprendemos um pouco a viver essa «revolução». Deus não ama o sofrimento, Deus ama no sofrimento. E ama tanto que sofreu o sofrimento máximo na cruz – voluntariamente e inocentemente – para nos trazer a esperança da vida e da felicidade infinitas.

O sofrimento existe e que é, em si mesmo, experiência de mal. Não se trata de uma imposição de Deus, um desígnio ou mesmo uma vontade de Deus para a nossa vida. O sofrimento existe, mas Cristo fez dele a base mais sólida do bem definitivo. Ele viveu, no Seu próprio corpo, o sofrimento e foi capaz de, nesse preciso momento de supremo sofrimento, sorrir, perdoar e salvar. Após todo o sofrimento e morte, ressuscitou mostrando que o Amor é sempre muito maior.

O João vive, hoje, com limitações severas. O João mantém no seu corpo as marcas de um sofrimento de razões inexplicáveis; mas o sofrimento não o impede de ser a pessoa serena e sonhadora que é, hoje, e é amado pela pessoa que é, com tanta debilidade, tanta vulnerabilidade. A mudança que o João e o seu sofrimento provocaram e provocam naquela instituição que o acolheu é imensurável. A força do sofrimento que o João passou e passa é a força com que ama e é amado, tornando-se, como que «colaborador» de Cristo, na libertação do mal e da maldade do mundo.

Já agora, numa altura em que andamos subjugados à ditadura da «diversão» e da «dispersão», para que se possa «reinar», no meio das quezílias, mentiras e banalidades, como é importante fazermos estas experiências de «comunhão» e de «reflexão» sobre a vida e o amor que somos e vivemos. Assim, apesar dos sofrimentos que nos atingem, haveremos de ir conseguindo encontrar o sentido, a esperança e o sonho que nos movem.

 

P. Rodolfo Santos Oliveira Leite