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A Ascensão no quadro das tradições regionais da Mealhada


tags: EPVL, Mealhada, Mealhada Categorias: Entrevista terça, 14 maio 2024

A partir de uma conversa com o Rancho Folclórico de Ventosa do Bairro

O nosso grupo decidiu perguntar-se a razão pelo qual a Mealhada vive um dia de feriado municipal, que é sempre numa quinta-feira, 40 dias após a Páscoa. Este ano, o Dia do Município foi celebrado no passado dia 9 de maio. Acreditamos que muitos dos jovens desconhecem o que motiva esse facto. Fomos em busca de perceber algo mais sobre a Romaria do Buçaco, que se realiza na Quinta Feira da Ascensão. Como um dos elementos pertence ao rancho folclórico da Ventosa do Bairro, optámos por fazer a esta aproximação ao tema a partir de uma conversa com a senhora Graça Batista, presidente do Rancho. Na conversa esteve presente a senhora Sílvia Filipe, ensaiadora do rancho e mãe de uma das alunas, que ajudou a fazer a ponte. É também uma forma de divulgação da coletividade e de a aproximar da comunidade.

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O rancho propriamente dito

Em que ano foi fundado o rancho?

O rancho foi fundado em 1982, fundado por José Ferreira, Deolinda Esteves e Leontina Neves.

Qual a relação do rancho com a Romaria da Ascensão?

As pessoas iam a pé até ao Buçaco, em grupos com lanches e juntavam-se na Mata do Buçaco. Alguns dos nossos pares, trajes e danças, pretendem recriar essa tradição. Até pelo facto de se tratar do feriado municipal, parece-nos importante que esta tradição seja dada a conhecer às gerações mais jovens. Nesse sentido, sentimos a necessidade de manter viva esta memória. Isto, para lá do facto de ainda hoje diversos elementos, a nível pessoal e familiar, mantermos vivo este momento e o passarmos aos nossos filhos e familiares mais jovens.

Como são as roupas tradicionais do Rancho?

Os trajes femininos, típicos do rancho são baseados nas roupas antigas, nomeadamente, saia comprida, saiotes, calção de renda, camisa, colete, meias de renda até aos joelhos, lenço na cabeça e tamancas.

Já nos trajes masculinos usa-se calças, camisa, colete, casaco, faixa na cintura, botas e chapéu. Estes trajes representam algumas das famílias típicas da nossa sociedade antiga, mais e menos abastadas, por exemplo, mas também profissões e alguns quadros sociais, como por exemplo as aguadeiras, as tremoceiras e os vindimadores.

Como tem sido o percurso do rancho ao longo destes anos?

Ao longo destes anos o rancho continua em atividade, visitando lugares de norte a sul do país, em intercâmbio com outros ranchos, participando em diversos festivais de folclore e outros eventos. Trata-se de um percurso que consideramos positivo, tem valido muito a pena e que queremos prosseguir para semear na mente dos mais jovens este ‘bichinho’ do associativismo e legar às gerações futuras uma coletividade melhor.

Por quantos elementos é constituído o rancho?

Atualmente o grupo é constituído por 45 elementos, entre dançarinos e músicos, que estão sempre presentes, desde todos os dançarinos a todos os músicos. Obviamente que não o fazem sem sacrifício pessoal. Participar de uma coletividade implica renunciar a muitas outras coisas. Normalmente equivale a retirar horas de convívio familiar e este rancho não foge à regra. Felizmente, com o tempo, diversos elementos da família acabam por integrar a coletividade, o que facilita a compreensão de todos os elementos e muito contribui para a saúde associativa da nossa coletividade.

Qual a média das idades das pessoas que o frequentam?

A média das idades do grupo atualmente ronda os 40 anos, no entanto nem sempre foi assim. O rancho tem uma grande variedade de idades, tendo o elemento mais novo do grupo 4 anos e o mais velho 87 anos.

O grupo recria tradições já perdidas?

Sim, temos essa preocupação com a memória coletiva e a sua preservação, com o dar a conhecer a cultura que nos constitui e passá-la às gerações seguintes.

Que tipo de atividades desenvolve o Rancho?

Além da atividade regular de ensaios, que nos prepara para as atuações, organizamos o Festival de folclore, o festival de sopas e participamos em diversos outros festivais, festas e arraiais para os quais somos convidados. Destacamos a presença regular na feira da gastronomia da Mealhada como um marco importante, não apenas para dar visibilidade ao rancho, mas também para angariação de fundos.

O grupo é frequentemente ativo?

Sim, o grupo é bastante ativo, pois está sempre presente nas festas, sejam elas do concelho ou não. Podemos dizer que o período de primavera-verão constitui um pico de participação mais ativa, mas esta é regular ao longo de todo o ano. Para que aconteçam atuações de caráter público, estas requerem sempre muito trabalho de bastidores. Como essa preocupação com a qualidade e o rigor são constantes, há todo um trabalho de recolha, estudo e ensaio no qual não se pode descansar grandemente.

Em que locais é que costumam atuar?

O grupo normalmente costuma atuar no concelho ou em concelhos vizinhos, mas também atua em outros locais de Portugal. São sempre experiências enriquecedoras ao nível humano, de troca de experiências entre amantes de folclore e oportunidades de colocar os membros do nosso grupo em contacto com outras realidades culturais, às quais não teriam um acesso fácil de outro modo.

O grupo é convidado para atuar em grandes festivais?

Sim, o grupo é constantemente convidado para atuar em diversos festivais, a maioria das vezes em experiências de intercâmbios com outros ranchos. Outras vezes, lançando desafios aos membros para tentarmos ir um pouco mais longe, também com o intuito de proporcionar às pessoas uma viagem diferente ao nível cultural.

O rancho e a romaria do Buçaco

O que nos pode dizer sobre a Romaria da Ascensão?

A Romaria da Ascensão é a ida de pessoas para a Mata do Buçaco, onde encontram vários artesãos com produtos da região e onde fazem o seu piquenique. Remonta a tempos muito antigos, em que, após a abertura do convento do Buçaco, as pessoas tinham curiosidade em ir conhecer o que se lá passava. Obviamente que possui também uma dimensão religiosa. Hoje creio que as duas dimensões se misturam, sendo que a lógica do encontro social me parece que é mais relevante para as pessoas que a perspetiva propriamente espiritual.

Quando é celebrada a Romaria da Ascensão?

A Romaria da Ascensão é celebrada cerca de 40 depois da Páscoa. Trata-se de um dia socialmente importante, que está muito presente na memória popular como um dia santo de guarda. Isso é facilitado hoje em dia para as gerações mais jovens pelo facto de ser feriado municipal no concelho. Ainda assim, para as gerações mais antigas, essa raiz é profunda, dado ser um dia para guardar, no qual as pessoas se abstinham, por exemplo, de trabalhar a terra.

A Ascensão é uma festa importante em que sentido?

A Ascensão é uma festa muito importante por assumir um carácter religioso, como disse atrás. Ainda assim, no concelho, ganhou uma dimensão social forte, por toas as questões que também expliquei. A comunidade precisa de tempos de festa e encontro, para que os seus laços se fortaleçam. Num tempo de dificuldades financeiras várias, em que o trabalho ganhou uma urgência grande e trouxe uma sobrecarga imensa para a vida das pessoas, parar e celebrar é algo de fundamental para o equilíbrio pessoal e coletivo.

Quais os grupos que costumam atuar na Romaria da Ascensão?

Participam habitualmente os grupos folclóricos do concelho: Casal Comba, Pampilhosa, Vimieira e Ventosa do Bairro. Acaba por ser também uma festa do folclore concelhio, que contribui para estreitar os laços entre os diversos grupos e para esbater algumas rivalidades que não têm razão de existir, dado que todos trabalhamos para a finalidade da preservação da cultura popular e para a transmissão da mesma às gerações vindouras.

O que celebra a Romaria da Ascensão?

A minha catequese já lá vai há algum tempo (risos), mas sei que celebra a elevação de Jesus ao céu. Como disse, creio que, por um lado, grande parte das gerações jovens desconhece isto e que esta realidade não é a mais fundamental do dia que a comunidade celebra em conjunto na Mata do Buçaco. Mesmo aqueles que nos visitam, fazem-no muito pela curiosidade e movidos pela possibilidade do encontro social num espaço aprazível e de excelência como é a Mata do Buçaco.

Daniela Filipe, Cátia Henriques, Rita Simões e Marta Pessoa, 10º ano, EPVL.