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Diária

Artigo de Opinião: O vento do amor...


terça, 14 maio 2024

Fui visitá-lo. Há muito que que andava para fazê-lo, mas as várias tentativas, coincidiam com os seus internamentos hospitalares. Não nego que o achei, embora com bom aspeto de rosto, muito magro e debilitado, desde a última vez que tinha estado com ele. Sabe que está a chegar ao fim a sua vida, que nesta fase final tem sido de grande sofrimento. Com uma lucidez impressionante, ele mesmo mo disse:

 

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- Senhor padre, falta pouco. Já não há nada a fazer.

 

Claro que o contestei, sem teorias nem romantismos, mas reclamando, com realismo e firmeza, que ele é maior que a doença que tem. Ele acenando afirmativamente com a cabeça, concordava comigo, mas pareceu-me fazê-lo, por delicadeza e sem grande convicção. Entretanto, falámos de muitas outras coisas, sobretudo das coisas que ainda quer, ou quereria, fazer. Nestas situações da vida, como em todas, os «sonhos» alimentam a vida. Por fim, rezámos um pouco e despedi-me, prometendo que lhe iria ligando. Ele ao despedir-se, só me disse:

 

- Senhor padre, prefiro a sua visita.

 

De noite, veio-me à mente aquele homem e a sua afirmação «…falta pouco. Já não nada há nada a fazer». Ele sabe que vai morrer! Na verdade, não somos daqui…, nenhum de nós é deste mundo. Mesmo que vivamos, ilusoriamente, como se nunca viéssemos a morrer. Esquecemo-nos que estamos aqui de passagem, vindos de um lugar que desconhecemos… e levados para um outro lugar que ignoramos…!

Tenho a certeza que, nunca como hoje, é fundamental aprender a viver sem ter a pretensão de querer compreender tudo. Por outras palavras, sem nos inquietarmos por haver, na vida, tantos mistérios, tantos aparentes vazios de sentido…, tantas coisas que parecem revelar que este mundo é uma maldade sem ordem nem fim. Mais. Temos de reaprender a simplicidade de saber que somos limitados. Esta verdade é maior que a nossa razão, que as nossas teorias e ideologias. Importa mesmo reconhecê-lo, com humildade própria de quem pelo menos sabe que é «pequeno».

Estou convencido que tudo o que vemos e vivemos aqui seja parte de uma realidade maior. Cada «pedaço», gesto, lugar e momento farão sentido num horizonte mais amplo do que aquilo que conseguimos ver, viver, sentir e pensar. Há um panorama completo, quase imperceptível, que nos envolve de forma total.

Uns podem perguntar qual é o caminho do céu? Direi que qualquer um, desde que o façamos com amor. Qual o melhor? O nosso, aquele que sonharmos e formos capazes de erguer e percorrer, no amor, humilde e simples, mas profundo, com que forjamos o viver de cada dia. Só por aí haverá sempre paz geradora de paciência, no meio de mil guerras interiores, por causa da falta de sentido e dos «medos».

Aliás, ninguém merece uma vida vulgar. Somos mais do que os animais ou as plantas, temos por isso mais responsabilidade sobre tudo o que escolhermos e sobre o que fingimos não reparar. Podemos subir acima dos nossos maiores feitos e cair para mais fundo que os nossos piores fracassos. Mais alto que a esperança, mais baixo que o desespero. O nosso caminho é livre. Sempre! Isto porque somos capazes do amor!

Agora, a humanidade de cada um é um dom. Exige-se-nos a coragem de reconhecer a liberdade, do e no amor, como uma forma de nos elevarmos acima de tudo o que nos oprime o que somos e faz sofrer. Infelizmente, haverá sempre quem prefira as «cadeias» ou seguranças que, aparentemente, os impedem de cair mais fundo, mas que lhes retiram a possibilidade de voar, de sonhar…! Alguns preferem «liberdades» sem amor, que os impedem de ser livres no amor… tão livres como um vento…!

Há um vento de que somos capazes de cada vez que respiramos. Somos nós quando amamos. Um algo, forte e invisível, capaz de encher todo o espaço vazio de sentido e de se elevar no tempo… até ao infinito. O vento do amor.