Artigo de Opinião: A Banalidade do Mal
A Banalidade do Mal é uma expressão criada pela filósofa judia alemã Hannah Arendt (1906 – 1975), que assistiu como jornalista ao julgamento de Adolf Eichmann (1906–1962), em que se baseou para escrever o livro Eichmann em Jerusalém, cujo subtítulo é "um relato sobre a banalidade do mal". Houve uma adaptação do conteúdo para o cinema em formato de documentário, que já passou na televisão portuguesa. Eichmann foi um dos principais responsáveis pela logística do Holocausto e a autora refletiu e escreveu sobre o perfil deste e de outras elites nazis e chegou à conclusão que todos eram pessoas comuns, sem traços marcantes, seja de excessivo fervor ideológico ou de carácter psicótico, cumprindo ordens superiores que consideravam ser o seu dever, e sem questionar.
«Ich habe nur Befehle befolgt» («Eu apenas obedeci a ordens»). Foi a frase replicada durante os julgamentos a que foram sujeitos, após a Segunda Guerra Mundial, tanto por altas patentes, como por meros funcionários, sobreviventes ao conflito, que fizeram parte da estrutura criminosa do regime nazi, responsáveis pelo assassinato em massa, premeditado, de milhões de pessoas inocentes. A sua justificação para o facto de terem sido parte ativa na morte milhões de pessoas, era apenas essa, limitaram-se a cumprir incondicionalmente as directrizes de uma estrutura de comando à qual pertenciam. Eichmann, escreve Arendt, não possuía um histórico ou traços antissemitas, nem características de uma brutalidade doentia. Ele agiu segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender na carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las, com dedicação e eficiência, sem reflectir sobre o bem ou o mal que pudessem causar nos outros.
Mengele, uma das personagens mais sinistras e infames da carnificina nazi, foi um médico e chefe do serviço clínico do campo de concentração de Auschwitz, que usou prisioneiros como cobaias humanas em experimentos pseudocientíficos, com os quais buscava comprovar as suas teses sobre a superioridade da raça ariana. Após a Guerra, fugiu e nunca foi julgado, mas li que o próprio filho o descreveu como um nazi impenitente, que alegou nunca ter prejudicado ninguém pessoalmente e que só tinha cumprido o seu dever. Enfim, burocratas executando com zelo e eficiência nas suas funções, cúmplices e colaborantes dinâmicos que obedeciam irreflectidamente e sem qualquer juízo crítico sobre as consequências para os outros, do impacto individual dos seus actos criminoso, e cuja maior intensidade anímica residia no forte desejo de ascender na carreira.
Hannah Arendt percebeu que o mal, contrariamente ao que se julgava, não era um mal profundo e radical, mas um mal superficial, medíocre, intelectualmente pobre, impensado e disseminado, isto é, um mal banal. Assustadoramente banal. Um mal que paira sobre as nossas cabeças, um mal sempre presente, um mal iminente, assustadoramente ao alcance de qualquer um ...
Vivemos tempos sombrios, de desumanidades, proliferam, nos últimos tempos, movimentos populistas que difundem ideários discriminatórios, racistas e xenófobos, chegando ao ponto de resgatar gestos e símbolos nazis. Pensar que tudo isto acontece num tempo em que as conquistas civilizacionais deveriam ser suficientes para travar qualquer avanço extremista. Mas na Alemanha a educação era provavelmente a mais avançada à época, e sucumbiu a um charlatão fascista. A educação não é suficientemente capaz de travar a utilização da razão para a destruição do outro como Ser Humano.
O nazismo não se iniciou com campos de extermínio, nem mesmo com suásticas espalhadas pelas ruas. Para que isso fosse possível, ideias e conceções deturpadas da Humanidade foram divulgadas. Encará-las como normais e aceitáveis é uma perigosa sedução com noções que tanto mal causaram às pessoas. Analogias implícitas são perigosas e precisam ser combatidas. Surge-me tudo isto quando aconteceu em Portugal, mais concretamente na cidade do Porto, um caso de extrema violência racista e xenófoba para com imigrantes que são pessoas – tal como nós – e que parece que há cada vez mais cidadãos portugueses que recusam vê-los como tal.