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Artigo de Opinião: O Gueto da Palestina


Categorias: Opinião terça, 11 junho 2024

Muito se tem dito que Israel era a esperança da humanidade. Um povo que tinha sofrido os horrores da Inquisição, saído do Holocausto, ávido de paz e liberdade, acabou por criar uma aberração: um estado xenófobo, militarista e corrupto. Criou muros, guetos e purgas, suprimindo os direitos dos palestinianos e, se for necessário, retirando-lhes a vida. Com todas as suas contradições, o sionismo era um projeto emancipador. Hoje é uma tenebrosa prisão em que a vítima enraivecida repete muito do que aprendeu com o seu carcereiro, colocando-se à margem do direito internacional e recusando cumprir as resoluções da ONU. Israel é a tragédia que nos lembra que qualquer pessoa, povo ou Estado cometerá os piores crimes se nada for feito para impedi-lo.

Israel tem direito a defender-se. É uma verdade aplicável a qualquer nação soberana. Mas basta olhar para evolução do mapa do território nos últimos 75 anos para perceber a quem foi retirado esse direito.  O atual conflito em Gaza foi desencadeado pelo ataque do grupo islamita palestiniano Hamas, levado a cabo em solo israelita e, noutra parte, em território que foi retirado aos palestinianos pela força e transformado em colonatos. Em pleno século 21, ainda há povos que vivem em colonatos, tal como até meados do seculo 20 existiram as colónias, todas elas, hoje, independentes.

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O ataque do dia 7 de outubro causou cerca de 1.200 mortos e duas centenas de reféns, segundo as autoridades israelitas. Desde então, Israel lançou uma ofensiva na Faixa de Gaza que provocou mais de 36.000 mortos e uma grave crise humanitária. Obviamente, que o Hamas é uma organização terrorista, mas desde o ataque do grupo armado palestiniano contra as pessoas que estavam numa festa, o número de israelenses mortos praticamente não subiu. O número de vítimas palestinianas, contudo, continua a crescer todos os dias.

A Palestina é um território e nunca foi reconhecido como estado independente e tem o direito de lutar por isso, como o faz ao longo dos anos. A luta dos palestinianos é a luta de um povo sujeito a um estado colonial de apartheid. Contudo, são representados pelos piores atos possíveis. É verdade, os islâmicos do Hamas e do Hezbollah estão tão interessados na solução dos problemas de Israel e da Palestina como os fascistas de Netanyahu. Mas não são o povo palestiniano, que tem direito à sua autodeterminação.

Os EUA são responsáveis pois nunca impuseram a Israel o reconhecimento da Palestina como estado. A União Europeia limitou-se a seguir o rasto do eixo israelita-norte-americano. Isso levou à radicalização que impede a solução do conflito. Extremados estão também os apoiantes de uma e outra causa no exterior, ao ignorarem o impacto do bloqueio a Gaza e da construção de colonatos judaicos.

 

Israel valeu-se da sua superioridade para encarcerar mais de dois milhões de pessoas entre o cerco de betão e aço e o mar controlado militarmente, condenados durante 17 anos a prisão perpétua, num campo de extermínio a céu aberto. Esperavam que eles simplesmente desaparecessem, para que Gaza se afogasse no mar. Só que não. Tal-qualmente fizeram os judeus no Gueto de Varsóvia, que resolveram lutar, mesmo estando conscientes de que a morte era certa, os palestinianos, na Faixa de Gaza, também resolveram lutar, mas estão a ser aniquilados, da mesma forma que aconteceu no Gueto. Criaram um desespero tão absoluto, uma vida tão indigna, que milhares de pessoas preferem morrer a lutar do que serem dizimados de joelhos.

O que aconteceu ontem e acontece hoje na Faixa de Gaza é um horror que não há palavras para descrevê-lo. Não existe e não pode haver qualquer justificativa para o massacre de civis desarmados. Não existe e não pode haver qualquer justificativa para sequestrar civis desarmados. Não existe e não pode haver justificativa para bombardeamentos maciços de edifícios residenciais, hospitais, escolas, campo de refugiados e, até mesmo, as próprias organizações de apoio humanitário.

Israelitas e palestinianos são, claramente, reféns da História, e cada um dos povos usa o sofrimento do passado para tentar legitimar a sua luta de hoje. Mas não pode justificar que o cerco na Faixa de Gaza e toda a ocupação não tenham acabado há muito tempo. O extermínio do povo que é apresentado como a única resposta não é resposta. O gueto não é uma solução e nunca poderia ter sido uma solução. A única solução é o fim da ocupação, do cerco e do apartheid. O banho de sangue nunca pode ser força e justificativa para evitar o desastre. O mundo não pode deixar que, por conta de um governante e de um governo fascista, xenófobo e nazi, se “apague Gaza”.