A (pseudo) igualdade que nos traria a Inteligência Artificial
Está mais do que provado e comprovado que a competência profissional é independente do género. E sabemos que foi longo o caminho percorrido (e penoso, acima de tudo, para as mulheres) para se chegar aqui. Ainda assim, não deixa de ser surpreendente esta sub-representação feminina na referida área, em pleno século 21. Em Portugal, a presença feminina no setor da informática, das tecnologias e da Inteligência Artificial mantém-se abaixo dos 20%, situação replicada um pouco por toda a Europa, em que as mulheres representam apenas 29% dos cargos de P&D em ciências. Ora, de acordo com a consultora McKinsey, se a Europa duplicar a presença de mulheres nas Tecnologias da Informação até 2027, poderá beneficiar de um impacto positivo de 260 mil milhões de euros no PIB.
Existem inúmeros fatores para que as mulheres saiam do mercado de tecnologia ou sequer cheguem a entrar. E começam, desde cedo, com o estereótipo cultural de que ciência não é “coisa de menina” ou que somente pessoas “masculinizadas” seguem cursos de engenharia. E mesmo o facto de que as meninas, segundo a OCDE, são tão capazes quanto os meninos em ciências exatas as deixa mais confiantes nessas matérias. A falta de reconhecimento e incentivo, que começa na infância, tende a se estender ao longo do percurso académico e profissional. Com a Inteligência Artificial, tudo isso se torna ainda mais complexo, porque muitas mulheres sequer estão cientes da discriminação que sofrem por ser mulher. A questão não se limita apenas ao facto de a baixa representatividade feminina ter repercussões em várias áreas de desenvolvimento tecnológico e de inovação, são as consequências que elas já sofrem na pele por serem “esquecidas”.
A imprensa mundial tem noticiado diversos episódios de discriminação (de género e outras) relacionados com a utilização de tecnologias de Inteligência Artificial. Assim como tudo o que nos cerca, algoritmos autonomizados são desenhados por homens, orientados, em grande parte, numa ótica sexista, que atribui às mulheres apenas funções complementares às masculinas. Temos softwares automatizados de recrutamento e algoritmos que “objetificam” a imagem das mulheres nas redes sociais. Esses valores, claramente discriminatórios, são incorporados por sistemas autonomizados de tomada de decisão, e a discriminação perpetua-se ou, pior ainda, aumenta. Perceber como isso acontece e como é possível combater essa nova forma de reforço de estereótipos de género, é fundamental se quisermos construir um futuro melhor para todos/as.
Várias as questões aqui se levantam: Existe diversidade nas equipas que desenvolvem os sistemas de Inteligência Artificial? Os dados que alimentam o sistema de Inteligência Artificial são completos, confiáveis e imparciais? O algoritmo compensa possíveis enviesamentos nos dados que o alimentam? Ora, o sistema não está orientado para o bem comum, mas para ganhar dinheiro e domínio. É a economia capitalista funcionar. O potencial transformador da Inteligência Artificial exige e regulamentação pelo Estado, aprofundada e isenta. Temos de aumentar a diversidade nas equipas responsáveis pela criação e teste de sistemas de Inteligência Artificial. As mulheres precisam de ser mais envolvidas no desenvolvimento desses sistemas para assegurar que a tecnologia seja neutra. É um imperativo moral aumentar a representatividade feminina na indústria que está a moldar o nosso futuro e que vai dominar o mundo, tornando a tecnologia mais democrática, justa e igualitária.
Outra questão mais genérica a resolver, é que as mulheres possuem, de uma maneira geral, níveis mais elevados de escolaridade e, contudo, continuam, por norma, a receber salários mais baixos do que os seus congéneres masculinos. O pior é que, muitas vezes, os homens nem se apercebem (ou não lhe interessa perceber) desta injustiça. E as mulheres, quantas vezes, assumem posições que reforçam o machismo no trabalho quando se dispõem a atirar o seu próprio género para o precipício em troca de algumas migalhas. Em relação à educação das meninas, as quais estarão, ainda mais, condicionadas a decisões automatizadas por parte de Inteligência Artificial, é essencial que haja o incentivo àquelas que se mostram curiosas ou mesmo atraídas pelo mundo das ciências exatas.
Os estereótipos que antecedem o desenvolvimento dos algoritmos encontram os seus fundamentos na cultura, nas instituições, em valores, preferências, ideologias. A baixa presença das mulheres no desenvolvimento de algoritmos que possam adiantar os cenários de discriminação, pela escassez de dados femininos, ou pela falta de liderança feminina que possa impulsionar outras mulheres, em nada ajuda a subverter os papéis consolidados de género, pelo contrário. A verdade é que mais do que oposição, existe complementaridade entre géneros. Não deve existir ou ser promovida, neste âmbito, uma mentalidade competitiva, mas sim reforçar os objetivos comuns, não recear as diferenças, pelo contrário valorizá-las, para o caminho ser partilhado igualitariamente, e não fomentar formas de promoção de preconceitos.