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Como vejo as férias…


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quinta, 11 julho 2024

 

“Todos precisamos de tempo livre, tempo de descanso, no comum, férias. O tempo dilatado onde os ponteiros do relógio devem parar para que o equilíbrio seja restabelecido. Um novo fôlego que pode levar à contemplação, criatividade, procura de Deus ou simplesmente ao encontro com o outro.” (Vasco Magalhães) Com efeito, por vezes, pensa-se que se descansa para trabalhar, mas o que devíamos era trabalhar para descansar. Aliás, o tempo de férias pode ser muito ambíguo, porque é uma paragem no trabalho que às vezes visa mais o descanso físico e psicológico do que o descanso espiritual. O que nos descansa é o equilíbrio, a boa consciência e não se pode descansar uma parte sem a outra. Muitas vezes, não se descansa nada, nas férias, porque se está cheio de pressa de fazer coisas e depois é um engano, porque a pressa e o medo, ou ansiedade, tiram-nos qualquer descanso!

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As férias não implicam ter de passar por muitos locais extraordinários – que ajudam, porque somos corporais –, mas trata-se mais de uma atitude interior. Estar descansado é estar em paz, em paz consigo mesmo, em paz com os outros: às vezes, pode estar-se descansado com muito trabalho. Acredito que aquilo que mais nos descansa é uma relação saudável com outra pessoa, o sentir-se amado, o poder ser «eu» perante uma pessoa, sem ter de me estar a defender, a mascarar ou a arranjar conversa! O próprio «encontro com o outro» deve ser um momento de descanso. Estou mesmo convencido que é isto o que mais descansa, assim como a boa consciência, o ter um sentido para a vida. São estas coisas que equilibram e integram, senão há uma grande agitação interior que se torna desgaste. O trabalho, por exemplo, desgasta porque trabalhamos mal, à pressa, em intensidade, horas em quantidade e não em qualidade, sob pressão! «Quem trabalha por gosto, não cansa»!

Arranjar um espaço bonito para as férias é equilibrante, mas agora imagine-se que estamos cheios de problemas por dentro: por mais bonito que seja o lugar, um passeio à beira mar, ou uma serra bonita, se estivermos cheios de pressa não descansamos! Se não estivermos inteiros, que é uma das boas maneiras de descansar, então é porque estamos divididos. Há coisas que criam ambiente e temos de criar o ambiente certo, uma coisa bonita, um bom livro que faz a pessoa encontrar-se consigo própria, com a sua história, que lhe liga a cabeça e o coração. Tudo aquilo que integra a pessoa e a relaciona bem faz descansar. Para as férias, primeiro que tudo, tem de se saber o que quer fazer, marcar prioridades e sobretudo não entrar em competição, nem em consumismos, mas realmente aproveitar bem todos os bocadinhos para se encontrar consiga mesma. E ao encontrar-se consigo mesma encontra-se, surpreendentemente, com Deus, no sentido de se encontrar com o amor, porque Deus é amor. Mais, porque a pessoa é capaz do amor, é capaz de Deus!

As férias são uma quebra na rotina e nos tempos ritmados de pressa e horários. Há pessoas para quem o descanso é uma correria: andar quilómetros ou ver os filmes todos que perderam. Então, tudo é transformado em ansiedade. O equilíbrio é dinâmico, não é uma paragem no sentido de «não me vou mexer», ou «vou dormir». Pode ser um engano, por exemplo, uma semana de férias que pode ser um grande descanso ou uma grande ansiedade, se houver grandes decisões a tomar, não se situa no amor ou no sentido da vida.

É nas férias que encontramos também momentos de fraternidade, a família, os amigos de sempre e os que estão mais longe. Esta é outra forma de descanso, porque no tempo de trabalho, infelizmente, as pessoas não têm tempo para ser gente, não têm tempo para a relação, não há tempo para as coisas mais básicas, comem à pressa, dormem à pressa, falam à pressa, não ouvem… Depois há desgaste, claro, mas também é verdade que cada um tem tempo para aquilo que quer, só que às vezes temos as prioridades mal arrumadas; se eu quero mesmo uma coisa então tenho tempo para ela!

Por fim, o tempo de descanso é uma paragem oportuna para ver e contemplar a beleza e a beleza na fé. Sim! A beleza descansa muito, desde a beleza natural, à beleza das ações, à beleza do pensamento criativo… A beleza também é ordem, é o esplendor do ser, o esplendor da conjugação de todos os aspetos que fazem levar à contemplação. Hoje somos pouco contemplativos, vemos muitas coisas mas não entramos nelas. Uma coisa é olhar para o mar ou olhar do alto de uma montanha, outra coisa é «entrar» na paisagem, para que possa fazer parte de nós. Senão somos todos um pouco «voyeurs»: cheguei, vi e parti mas nada fica, não há tempo para entrar na realidade. Hoje, realmente, não estamos educados para gerir o tempo. O tempo livre é uma coisa que fica para as sobras ou para os intervalos; ora tem de ser o contrário. O dia forte tem de ser o de descanso, descansar para depois trabalhar.

Já agora, que todos possamos encontrar um tempo de férias, onde cada um se torne mais «eu»; onde somos «eu» nas relações, na comunhão, mas também nos tempos de estar só. Como é importante estar só, para a conversa interior, tranquilamente consigo mesmo, para se autoconhecer e se pacificar. Quando se equilibra a «respiração», depois de um modo de viver «ofegante», equilibra-se o pensamento e ele começa a lidar bem com o coração. Aí, torna-se mais fácil amar!