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O Amor há-de vencer


tags: Marília Alves Categorias: Opinião quarta, 18 setembro 2024

Foi sobre a égide do Amor que, no passado dia 19 de julho, foi inaugurado o Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal, em Cabanas do Viriato (Carregal do Sal), onde há 139 anos, precisamente nesse dia, nasceu o cônsul que salvou mais de 30 mil pessoas na II Guerra Mundial, protagonizando um grandioso ato de humanidade e de coragem, celebrado como uma das maiores ações de salvamento empreendida por uma só pessoa de que há memória.

Para quem esteve presente, a cerimónia de inauguração foi um momento de grande comoção, porque ouvir ecoar, naquele espaço e contexto, “O Amor há-de vencer” pela voz da soprano do quarteto de cordas da Orquestra Clássica do Centro, resume em três palavras o que foi a ação de um homem capaz de oferecer aos outros uma luz que os salvou: um visto no passaporte que significava a diferença entre a vida e a morte. Três palavras que resumem, também, há 10 anos, a força de um grupo de pessoas que, por Amor a uma causa, fizeram um grande cordão humano para salvar a Casa do Passal, então em ruínas, ainda que não tão grandiosa a causa uma vez que não se tratava de salvar vidas humanas, mas sim a memória.

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Quem esteve presente, poderá não ter conseguido conter as lágrimas num momento em que da sombra e do abandono nasceu uma poderosa luz. A sombra do enormíssimo sofrimento de Aristides de Sousa Mendes, de desafiar o regime salazarista e que, após o ato heroico, o puniu, exonerou do seu cargo diplomático, e proibiu de exercer a profissão de advogado. Viveu na miséria, sem meios para estar com a sua família. Nos tempos mais difíceis, para sobreviver, vendeu peças da sua casa, algumas das quais a pessoas locais que as entregaram agora para que voltassem ao seu lugar e fizessem parte da Casa-Museu.

Quem ali esteve, não assistiu apenas a uma homenagem, mas a algo mais grandioso: oferecer ao mundo uma luz que nos salve a nós (humanidade). Um hino ao Amor, num tempo em que parece que o Amor já não salva ninguém. Mas salva, o Amor salvou vidas humanas, e salvou, agora, das ruinas a memória e o legado de um Ser Humano Maior, perpetuando-se valores de resistência ao injusto e desumano.

E foi isso que foi celebrado naquele dia, numa cerimónia presidida pelo presidente da república, com a presença da ministra da cultura, do secretário de estado das comunidades, do presidente da câmara do Carregal do Sal e dos embaixadores de França, Luxemburgo, Estados Unidos da América (EUA), Bélgica, Áustria, Alemanha e Israel, assim como representantes de câmaras onde Sousa Mendes foi cônsul.

Participaram, igualmente, familiares do próprio e dos refugiados que salvou, bem como elementos que fizeram parte, naquele mesmo sítio, há 10 anos, do cordão humano. As forças vivas da comunidade fizeram-se também representar.

Foi visionada uma mensagem em vídeo de António Guterres, enquanto secretário geral da ONU, que mencionou “A inauguração do Museu acontece num momento crucial. Hoje, o nosso mundo é perigoso e está dividido. O número de pessoas forçadas a abandonar as suas casas atingiu um nível recorde. E o ódio e a intolerância – incluindo o antissemitismo, o anti-islamismo e os ataques contra cristãos e outros grupos – são frequentes.”

Depois disso, as portas da Casa-Museu estão abertas a todas as pessoas que ali queiram entrar e beber este legado de Amor Maior. Tal como evocou o papa Francisco numa missiva que foi lida na cerimónia, não se trata de apenas homenagear, é um “legado que é para beber” e lembrar. O museu está estruturado em 8 salas principais e começa numa primeira sala, que fala da história, da família e da vivência da casa. Segue-se para as seguintes, onde as paredes e o espaço estão documentados com fotografias, vídeos, e objetos, alusivos ao holocausto e à II Guerra Mundial, e sobretudo à memória das pessoas que foram salvas.

A visita à Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes é um ato de Amor e de reconhecimento. Como já disse outro alguém: mais do que uma trincheira, a memória é um lugar donde se projetam as lutas do presente por um futuro melhor. Lembrar é muito mais do que não esquecer. É continuar a lutar contra a barbárie.