Em meados da década sessenta era jovem e adolescente. Tinha pouco mais de quinze anos. Por gosto, acompanhava meu pai para assistir a conferencias e colóquios, na: " Casa dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto"
Como, por vezes, vinha diretamente da escola, chegava antes do início do evento.
Ficava, então, a cavaquear com o bibliotecário da Casa.
Entre as conferências, que assisti, e colóquios coordenados por Óscar Lopes, recordo a magnifica preleção do notável comunicador e cineasta: António Lopes Ribeiro, de improviso, sem texto de apoio, versando o tema: " O cinema e a sociedade".
Ora, certa ocasião, estando a folhear, distraidamente, um jornal retirado de ampla mesa, o bibliotecário, acercou-se de mim.
Queria abordar, o simpático homem, o eterno problema da paz; mas a conversa descambou para a República Popular da China.
Começou por lamentar o salário de miséria que o trabalhador usufruía nesse Pais, principalmente o braçal.
O loquaz homem, de fisionomia sombria, espraiava com ardor, asseverando que poucos receavam essa nação, e até muitos pensavam ajudá-la; mas, segundo ele, em breve, a China seria tão poderosa, que mandariam no mundo.
Sorrindo, escutava-o, lembrando-me, por analogia, do que lera numa seleta escolar: Andava menino pela orla de lúgubre e densa floresta, quando depara, entorpecida pela friagem, pequena víbora. Condoído, agasalhou-a, aconchegando ao peito.
Reanimada pelo calor humano, em vez de agradecer, mordeu o benfeitor, mortalmente.
Mais de meio século se passaram sobre essa conversa. Na época muitos defendiam a obrigação, o dever, de auxiliarem o infeliz povo, mas decorrido tanto tempo verifico que havia, carradas de razão, para tal preocupação desse bibliotecário.