Construindo o futuro: a visão do diretor do Agrupamento de Escolas da Mealhada
É professor de Filosofia, já foi presidente do Conselho Diretivo e Conselho Executivo e hoje em dia é diretor do Agrupamento de Escolas da Mealhada, neste momento com 1921 alunos. Fernando Trindade falou com o Jornal da Mealhada, tendo dado conta da implementação de planos pedagógicos que visam melhorar o aproveitamento dos alunos.
Faltam professores nas escolas da Mealhada?
Neste momento só falta um professor de Educação Moral Religiosa e Católica; nunca nos tinha acontecido esta situação com esta disciplina. Acresce a necessidade da substituição de um professor de Francês. A situação não será preocupante, de momento, mas subsiste a questão da substituição de docentes ao longo do ano, nomeadamente por motivos de saúde, como tem acontecido nos últimos anos, com muitas ausências prolongadas ou mesmo de duração para o ano inteiro. Há medidas extraordinárias implementadas pelo Ministério da Educação para minorar o problema, ainda não tão acentuado na região centro, mas não deixamos de ter alguma apreensão.
A Escola tem falta de assistentes?
A questão do número de assistentes tem de ser discutida em dois níveis. O primeiro é o da dotação legalmente prevista e calculada em função das caraterísticas das Escolas, nomeadamente tipologia dos edifícios, totais de alunos por ciclo e de alunos com necessidades educativas especiais; ou seja, qual o número de assistentes a que a Escola tem direito. Neste momento, não está afetado ao Agrupamento o total a que temos direito, mas sabemos que os procedimentos para o efeito estão em curso.
O segundo nível tem a ver com as ausências que se vão verificando ao longo do ano, algumas de longa duração, havendo por isso necessidade de mais assistentes. Acontece ainda, atualmente, que a média de idades, tanto no pessoal docente como no pessoal não docente, é elevada; 51 anos, no caso dos assistentes; a esta média de idades elevada corresponde também uma média de idades mais elevada de pais e familiares ao seu cuidado, tendendo a agravar as ausências súbitas e de curta duração. Ainda assim, vale a pena notar que o facto de sermos Agrupamento nos dá a possibilidade da recolocação de assistentes para suprir as necessidades e manter a prestação dos serviços.
Principais objetivos para este ano letivo?
Os objetivos são os da nossa missão: uma escola pública. E o ensino público tem hoje muitos objetivos, muito para além dos resultados académicos (necessariamente um dos nossos focos). É particularmente importante sublinhar que o ensino público tem princípios e objetivos claros e ambiciosos ao nível da cidadania, nomeadamente quanto à formação da pessoa e da consciência ecológica. Por isso o nosso projeto educativo dá, desde 2019, relevo ao ensino das artes e à formação pelas artes; para reforçar esta linha de atuação, aderimos ao Plano Nacional das Artes, que começou a concretizar-se o ano passado com o nosso primeiro projeto cultural de escola. Este ano estamos a trabalhar afincadamente neste âmbito, no sentido de um projeto cultural de escola progressivamente mais presente e aglutinador no Agrupamento.
Existem algum tipo de desafios que tenham detetado em outros anos que agora estejam a resolver?
Não diria que há desafios novos como consequência de problemas detetados em outros anos. A falar-se de desafio, será o de fazer melhor. Mantêm-se os desafios de melhoria do aproveitamento dos alunos e do seu desenvolvimento no sentido do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória. Devo dizer, pela experiência profissional de todos este anos, que a escola pública está mais orientada e regulamentada do que nunca neste sentido, organizada de forma muito mais clara sobre que faz e como o faz.
Devemos falar de desafio, sim, a propósito da questão da imigração. Neste momento, temos inscritos alunos de 19 nacionalidades, representando mais de 12% do total de alunos. Metade destes alunos é de origem brasileira, o que, à partida, fará pensar que o processo de inclusão será facilitado. Mas verifica-se grande disparidade de planos curriculares entre o sistema português e brasileiro, acontecendo, regra geral, que o nível de competências num mesmo ano de escolaridade é muito diferente. Verifica-se também ao nível da comunicação que o processo não é tão fácil como se poderá pensar; em muitos, muitos casos, verificam-se dificuldades ao nível do vocabulário, interpretação e compreensão na comunicação entre aluno e professor, de modo que a língua é também aqui uma barreira. Acontece também que a atual legislação não permite às escolas considerar o aluno brasileiro para usufruir de Português Língua Não Materna; não podemos constituir turmas com alunos brasileiros nesta disciplina. Seria importante rever a lei.
Têm vindo a aplicar novas metodologias de ensino?
Sim. Em 2016-17 estabelecemos um programa que faz os docentes recorrer a novos instrumentos de avaliação, no sentido de a avaliação não assentar exclusivamente em testes escritos, programa que tem tido algumas atualizações por forma a consolidar a diversificação de instrumentos de avaliação. Neste âmbito, torna-se importante o recurso ao digital. Já em 2012, instalei no Agrupamento a plataforma Microsoft para ensino, a qual dispõe de ferramentas particularmente funcionais. Esta plataforma revelou-se particularmente útil no período da pandemia, tanto a nível pedagógico como orgânico. A sua implementação no Agrupamento está muito consolidada, sendo agora um recurso comum e incontornável. Esta implementação e uso do digital encontra-se inscrita no nosso Plano de Acão para o Desenvolvimento Digital da Escola desde 2021. Creio poder afirmar que o Agrupamento se encontra bastante adiantado neste processo.
Que valências considera essenciais para o sucesso de uma escola?
Antes de tudo, aquilo que mais importa e importará sempre são as pessoas. A disponibilidade e a curiosidade dos alunos para aprender são cruciais neste contexto. Não menos importantes, as pessoas que fazem o contexto do aluno, o professor em particular. Mas não falamos só da escola; todo o contexto socioeconómico — em particular dos pais e dos seus hábitos culturais e familiares, mas também dos próprios assistentes — é decisivo. E depois vêm, naturalmente, os equipamentos. Melhores equipamentos promovem, decerto, processos de ensino e aprendizagem mais eficazes e eficientes, sobretudo num tempo e num lugar em que a educação se tornou obrigatória e universal, obrigando ao que devemos chamar uma economia da educação na qual os recursos materiais são incontornáveis para se dar resposta à obrigatoriedade e universalidade de que falamos.
O Governo recomendou a proibição de uso de telemóvel para crianças até aos 12 anos, qual a posição do agrupamento?
No ano passado iniciei um novo mandato enquanto diretor e, como tal, tive de apresentar uma carta de missão ao Conselho Geral da qual consta um conjunto de medidas, entre as quais — e minha primeira medida, por ser a que mais me preocupa —uma medida que visa regulamentar internamente o uso do telemóvel nas nossas escolas. O plano passa, essencialmente, por estabelecermos uma regulamentação efetivamente limitadora do uso, mas num processo que se pretende participado por todos. Diria que as recomendações do Ministério vão precisamente neste sentido, sendo de notar que, neste momento, o problema do uso do telemóvel se refere ao contexto fora da sala de aula, pois já há cerca de 10 anos que regulamentámos internamente no sentido de os telemóveis serem depositados à entrada da sala de aula, podendo ser usados para fins pedagógicos durante as aulas, se o professor entender; podemos dizer que não se trata já de um problema nas aulas, com exceção de uma ou outra ocorrência. Nos intervalos, sim; vemos cada vez mais alunos claramente alienados do que se passa à sua volta por concentrarem a atenção exclusivamente no telemóvel. E sabemos bem os efeitos disso, em particular para o próprio.
Este ano a CMM investiu nas atividades de enriquecimento curricular (inglês, xadrez, educação ambiental, robótica e programação, atividades lúdico-expressivas) qual a adesão por parte dos alunos?
As AEC foram desde sempre promovidas pela CMM no caso do Agrupamento de Escolas da Mealhada. O número de alunos inscritos é elevado e diria que, regra geral, têm gosto pelas mesmas, até porque se trata de atividades eminentemente lúdicas. Há que notar que este caráter lúdico torna muitas vezes a questão da disciplina mais complicada, apesar de o problema da disciplina por parte dos alunos não ser um problema exclusivo das AEC; longe disso. Mas trata-se de atividades justamente chamadas de enriquecimento curricular. E importa não esquecer que são uma resposta ao conceito de escola a tempo inteiro que, com todas as virtudes que possa ter, significa também que os alunos passam cada vez mais tempo na escola e que as famílias não dispõem, até por força dos respetivos empregos, do tempo desejável para os filhos. Bem vistas as coisas, a vida de uma criança e de um adolescente em Portugal é hoje sobretudo uma vida de aluno, pois mesmo quando não está a ter aulas está ainda na escola, onde passa a maior parte do seu tempo e onde tudo acontece. E tudo parece apontar para que seja cada vez mais assim. É algo que se pode ver. Pessoalmente, estou convicto de que seria importante um pouco menos de tempo na escola e mais tempo de família. Talvez fosse possível regulamentarmos as coisas nesse sentido; no sentido de os pais poderem e terem de ser mais pais; penso que, assim, a escola seria também mais escola. Mais tempo na escola não é necessariamente mais escola.