Sandra Forte: a primeira mulher que se tornou Chefe de Núcleo Centro-Norte
Vive na Pampilhosa há 27 anos, mas é natural de Coimbra. Tem 52 anos, é casada e mãe de duas filhas – ambas escuteiras desde crianças, sendo uma delas já dirigente e outra a iniciar a formação para tal. Trabalha como assistente operacional na Escola Básica de Casal Comba, na Mealhada. Sandra Forte foi a primeira mulher a ser eleita para o cargo de Chefe de Núcleo Centro-Norte – o nível do Corpo Nacional de Escutas que congrega os vinte e um agrupamentos do território dos concelhos da diocese de Coimbra a norte do rio Mondego. Contou ao Jornal da Mealhada o motivo pelo qual só entrou para os Escuteiros depois de adulta e expressou, convictamente, a alegria que sente por ser dirigente e estar ao serviço das crianças e jovens. Termina o mandato para o qual foi eleita no final deste mês de outubro.
Com que idade entrou para os escuteiros?
Já tinha 35 anos e nunca tinha sido escuteira.
Porque é que decidiu entrar?
Vivemos perto da sede dos escuteiros, na Pampilhosa, a minha filha mais velha, na altura com 6 anos, disse que queria entrar para o movimento. Não faltou muito tempo até que a irmã quisesse também entrar para os escuteiros. Havia caminheiros e dirigentes do agrupamento que já me tinham incentivado a entrar. Confesso que também já tinha sentido alguma curiosidade para entrar, porque via o trabalho que era desenvolvido com a minha filha mais velha. Conjugando tudo isto, decidi entrar para o movimento escutista, apesar da minha idade.
Normalmente quem quer fazer parte dos escuteiros entra quando é criança. Tendo em conta que a Sandra entrou em adulta, sentiu alguma dificuldade?
Não. Entramos diretamente para fazer formação e estamos durante um determinado tempo à ‘experiência’ para percebermos se é mesmo aquilo que queremos para a nossa vida. Com autorização do chefe de agrupamento somos propostos a fazer formação para dirigente. Portanto, há um percurso formativo para quem entra enquanto adulto como para os jovens que já são escuteiros. Quando fazem 22 anos têm de escolher se continuam o escutismo para função de dirigentes ou se saem. Eu senti-me muito bem integrada e fiz a opção de continuar o meu caminho de Serviço, ajudando as crianças e os jovens a encontrar um caminho de felicidade e de autonomia.
Aconselha a que os pais incentivem os filhos a entrar para os escuteiros?
Claro que sim. E digo isso não só como escuteira, mas acima de tudo como mãe e como alguém que trabalha numa escola e que lida diariamente com Educação e com crianças. O escutismo é um movimento que proporciona o desenvolvimento das crianças e dos jovens de uma forma integral. Não apenas na dimensão física ou intelectual, mas também na dimensão afetiva, na dimensão espiritual, na dimensão do caráter. Ou seja, dá aos jovens ferramentas fantásticas para a vida, para a sua autonomia, num caminho de Felicidade. Ajuda a saber lidar com a frustração, ser mais empático, a interajuda e o trabalho de equipa são pilares fundamentais trabalhados no CNE.
Como foi a sua trajetória até se tornar chefe de núcleo?
Fiz a formação para dirigente, seguiu-se a Promessa de Dirigente, em 2009, que é feita na igreja perante a comunidade cristã, onde assumimos o compromisso solene de Serviço. Fui chefe de secção, depois chefe de agrupamento da Pampilhosa – O 1067 que ainda integro – e para além disto fui convidada para as equipas pedagógicas do núcleo. Depois da época do Covid, fomos a eleições e candidatei-me, tomando posse a 24 de outubro de 2021. Neste momento estou a terminar o meu mandato de Chefe de Núcleo. Havendo novas eleições no próximo dia 26 de outubro.
Vai recandidatar-se?
Não vou. Acho que preciso de fazer uma pausa de algumas responsabilidades e preciso de dar mais apoio ao meu agrupamento. Considero que há que dar oportunidades aos mais novos para mostrarem as suas competências.
Interessará explicar às pessoas o que é um Núcleo do CNE e o que é o Núcleo Centro-Norte em concreto…
O Corpo Nacional de Escutas – que é a maior associação de juventude em Portugal – está organizado em agrupamentos que têm, normalmente, a abrangência territorial e humana das paróquias católicas. Existe um nível regional, que tem a dimensão da Diocese – no nosso caso a diocese de Coimbra –. Há situações em que existe um nível intermédio, entre os agrupamentos e a região, e esse nível é o Núcleo. No caso concreto de Coimbra a região tem 56 agrupamentos e existem três Núcleos. O Núcleo Centro Norte tem 21 agrupamentos, cerca de 1400 escuteiros e abrange o território dos concelhos de Mealhada, Mortágua, Penacova, Arganil, Tábua, Oliveira do Hospital e dos agrupamentos localizados no concelho de Coimbra a norte do Rio Mondego.
Enquanto Chefe de Núcleo, qual é o balanço que faz deste mandato?
Estou confiante de que cumpri a missão que me foi confiada. Foram três anos de mandato, que não deixarão de ficar marcados como os do pós-Covid. Foi necessário restaurar uma nova normalidade, chamar os agrupamentos para o núcleo, voltar a conquistar muito do que a pandemia destruiu ou fez esmorecer, sem deixar de perceber que era um tempo novo, necessariamente diferente. Mesmo não tendo vivenciado o escutismo enquanto jovem, penso que o facto de ser mãe e ter experienciado de perto o que escutismo tem para dar, fez com que tivesse o que era preciso para desempenhar esta função. Desta forma posso dizer que foi um balanço muito positivo.
A obra que dá origem ao escutismo, é um livro chamado “Escutismo para Rapazes”. Também há escutismo para raparigas?
Sim, claro. O Escutismo para Rapazes é das obras mais importantes de Baden-Powell, o nosso fundador, e foi escrita em 1907... Hoje, e especialmente depois do 25 de Abril de 1974, as coisas são diferentes. O Corpo Nacional de Escutas é uma associação em que a co-educação é aplicada e não há qualquer discriminação de géneros ou raças. Somos uma associação católica, com ação evangelizadora, e existe uma inclusão total a todas as pessoas. Antes do 25 de Abril era diferente, mas há pelo menos 50 anos que integramos homens e mulheres de forma igual em direitos e obrigações.
Foi a primeira mulher a ser Chefe de Núcleo Centro-Norte. O facto de ser mulher, condicionou a sua ação enquanto Chefe de Núcleo?
Não. É algo que nem sequer foi assunto. Foi uma decisão que tomei sem nunca pensar no que vinha só por ser mulher. O Núcleo tem pouco mais de 30 anos e, por acaso, ainda nenhuma mulher tinha decidido candidatar a Chefe de Núcleo, mesmo havendo imensas mulheres capazes de fazerem um trabalho fantástico enquanto Chefe de Núcleo.
Sente que trouxe mudanças a este Núcleo escutista por ser mulher?
Cada pessoa deixa a sua marca, cada um de nós tem um papel a desempenhar e deixa um lastro que é único. Não creio que o meu testemunho seja especial por ser mulher… Não será indiferente, claro, a minha condição de mãe certamente que me marca e que deixa marca, mas não me parece relevante. As equipas da junta de Núcleo sempre tiveram mulheres nas secretarias e nas equipas, ou seja, nunca houve diferenças. Homens e mulheres sempre trabalharam juntos e em prol do mesmo.
Quais as qualidades fundamentais para se liderar no escutismo?
A primeira será a de reconhecer que liderar não é mandar! Nesta função é preciso ter uma escuta ativa, saber que quem está à nossa volta precisa de nós. Se pensarmos que por termos um cargo mais alto, fazemos como queremos e apenas mandamos, isso acaba por correr mal. Optei por ser genuína, empática e perceber onde era preciso atuar.
Qual foi o maior desafio que enfrentou ao longo do seu tempo no escutismo?
Honestamente, talvez o maior desafio tenha sido assumir esta função em que rinha, naturalmente de me expor. Não estava habituada a falar em público, foi algo que tive de trabalhar.
Sabemos que no concelho da Mealhada existem quatro agrupamentos, que avaliação faz do Escutismo a nível local?
É verdade. No concelho da Mealhada existem agrupamentos nas paróquias de Casal Comba, de Barcouço, da Pampilhosa e da Mealhada, com uma história e um testemunho muito relevante na vida de milhares de pessoas. Existe uma ligação boa a nível local, um grande enraizamento na comunidade. É importante que os escuteiros e antigos escuteiros se envolvam na vida da comunidade, nas autarquias, nas associações. É um bom barómetro para perceber que escutismo estamos a fazer. E essa avaliação neste concelho é muito positivo.
Por outro lado, há um grande acolhimento por parte das pessoas. E há uma relação afável entre os quatro agrupamentos. Por exemplo, quando se organizam atividades a nível de núcleo, regional ou nacional, onde tem de haver um número mínimo de participantes. Desta forma se não houver elementos suficientes os agrupamentos agilizam entre si uma forma de reunir o máximo número de pessoas para que todos tenham oportunidade de participar nestas mesmas atividades.
O que é para si ser escuteiro?
Para mim é e tem sido uma escola de vida. Passa por viver para o próximo seja na família ou com amigos e é isso que vivencio no escutismo, aprender fazendo.