A demagogia e a mentira no seu esplendor
Somos um povo historicamente ligado à emigração, onde as pessoas fugiam “a salto” para França. Viviam miseravelmente em “bidons villes", onde sofriam todas as formas de humilhação e de exclusão social. Passaram por vidas difíceis, ajudaram a economia francesa e também a portuguesa através das remessas que faziam de dinheiro. E deram uma excelente imagem do trabalhador português. O que parece é que essas pessoas, entretanto, se esqueceram da sua história, a que se juntam os seus descendentes e os que continuam a sair pelos mesmos motivos — melhorar a sua qualidade de vida — ou para conseguirem ter uma carreira com maior dignidade.
Sustentar um discurso anti-imigração em Portugal é não saber respeitar os mais de dois milhões de portugueses que tiveram de emigrar. Eu não vejo como um português que tenha sido emigrante ou que tenha elementos da família emigrantes, não olha para isto e não se sente vilipendiado. Para já, a imigração em Portugal é um problema que não existe, mas tem servido para pôr à vista um problema real — o medo do outro. O que é vergonhoso num país de emigrantes.
Chocou-me no domingo, dia 29 de setembro, em que mais de um milhar de pessoas saíram às ruas do centro de Lisboa na manifestação “Salvar Portugal”, convocada pelo Chega, contra o que alega ser uma “imigração descontrolada” causadora de “insegurança nas ruas”. Com bandeiras de Portugal, do partido da extrema-direita e da monarquia, a que se juntaram membros do movimento de extrema-direita 1143, acompanhado pelo líder, Mário Machado. E foi este circo de horrores que desceu a zona da capital que concentra o maior número de imigrantes, seguindo uma cartilha já conhecida.
Chocou-me ver na televisão um dos manifestantes ser interpelado pelo jornalista e dizer que foi emigrante, mas juntou-se à manifestação porque não concorda com a imigração “descontrolada”. Ora imigração “descontrolada” foi a designação que André Ventura arranjou para branquear o assunto e cobrir com a capa da legalidade a manifestação, sabendo que é crime organizar e participar em atos que promovam a segregação contra indivíduos ou grupos em função da sua origem étnica. Ventura é um talentoso vendedor de banha da cobra, vai alimentando e manipulando este medo coletivo. Dá-lhe jeito. Aprendeu com o que se passa noutros países — que atualmente a única forma de mobilizar as pessoas para a política é usar e acentuar os seus medos.
As pessoas encontram no ideário que promete abanar o sistema e que aponta aparentes inimigos e culpados para os infortúnios, um discurso aparentemente com sentido. Mas que é um engodo. Este tipo de políticos gosta de arranjar bodes expiatórias para esconder a sua inépcia e falta de honestidade, e que normalmente são os imigrantes e as minorias. A lista está mais do que elencada. Apesar de todas as evidências sobre o registo de criminalidade, que mostram que não há correlação entre o aumento dos crimes e a imigração, nem entre a concentração de imigrantes nos territórios e a criminalidade. Que evidenciam que os imigrantes não estão a viver à custa dos “apoios sociais”, mas são contribuintes importantes para a Segurança Social e para garantir sua sustentabilidade.
Temos de fazer melhor acolhimento de imigrantes, que são fundamentais para a nossa economia. É, no mínimo, mentiroso e demagógico que eles possam ser a causa de qualquer mal social ou económico, uma vez que, neste momento, se não fossem os imigrantes uma série de setores de atividades teriam de encerrar, como está tecnicamente comprovado. O timbre deste tipo de movimentos é desviar as atenções do que interessa como historicamente já sucedeu, empolgar com mentiras e demagogias o povo que, por sua vez, os elege democraticamente alimentando autoritarismos e ditaduras.