Mário Augusto: “O cinema é magia, sedução e encanto”
O conhecido jornalista de cinema, Mário Augusto, esteve na Biblioteca Municipal da Mealhada, no passado dia 6 de novembro, no âmbito das comemorações dos 20 anos da Biblioteca. Durante a sessão, moderada por Justino Melo, Mário Augusto, muito conhecido por apresentar o programa “Janela Indiscreta”, há cerca de 23 anos, partilhou com o público algumas das suas experiências caricatas ao longo da sua vasta carreira de jornalista de cinema, antes disso deu uma entrevista ao Jornal da Mealhada, onde falou um pouco de como surgiu a sua paixão pelo cinema e de formas de captar a público para as salas de cinema.
Como surgiu esta paixão pelo cinema?
Comecei a gostar e a interessar-me pelo cinema quando tinha 11 anos. Em Espinho, de onde sou natural, existia, e existe hoje em dia, um Festival de Cinema e Animação, o CINAMINA, que mostrava aos jovens o que era o cinema, havia também o cineclube que na época era a única hipótese que tínhamos de ver filmes, e tudo isto me despertava interesse. Sou muito curioso e queria saber sempre mais sobre os filmes que via. E assim, sem dar conta foi cultivando e alimentado a paixão pelo cinema, devido à curiosidade constante em perceber tudo.
As pessoas vão cada vez menos às salas de cinema. Neste sentido, como vê o futuro do cinema?
Esta perda de público no cinema é a consequência de uma evolução constante da própria tecnologia que o cinema vai impondo. Este tipo “aflições” e mudanças já existiram em outros tempos, com a transição do cinema mudo para o sonoro, seguiu-se o aparecimento da televisão que afastou o público do cinema, depois a mudança do cinema tradicional para o cinema digital e agora a transformação maior que está ligada às técnicas de difusão. Falo em plataformas de streaming que permite a cada um de nós, como espetadores, experimentar a sensação de ver um filme como, onde e a que horas quisermos. E isto quebra um pouco a magia do cinema, ou seja, antigamente íamos ao cinema naquele horário, naquela sessão, ver um determinado filme, hoje em dia isso já não acontece. Facilmente acedemos a um multiplex onde estão disponíveis vários filmes com muitas sessões por dia. Mas ainda há mais, a tecnologia das televisões a nível de imagem está, mais do que nunca, surpreendente em termos de qualidade, ou seja, conseguimos simular uma sala de cinema em nossa casa. Isto facilita muito a visualização de um filme, porém tira o encanto que o cinema tem. Este encanto de que falo torna a visualização de um filme um ato social em que estamos todos juntos numa sala a reagir às cenas, seja com uma gargalhada, com aplausos ou até com um susto e isso é uma experiência social que se perdeu. Portanto, o futuro do cinema não está comprometido, está sim comprometido o modelo de cinema que nós conhecemos. Porque as histórias continuam a ser encantadoras, os atores continuam a deslumbrar-nos, as imagens continuam a fazer-nos sonhar, mas com outros meios e com outras ferramentas.
Sendo assim, que tipo de cinema prefere?
O modelo antigo, sem dúvida. Nasci e cresci no modelo de cinema antigo. Se eu contar a uma criança de 10 anos as minhas experiências vividas no cinema com a idade dele, vai achar que é ficção científica, ou uma história do passado, porque não passou pelo mesmo tipo de experimentação e só conhecem a realidade em que estão inseridos hoje em dia.
Recentemente fez uma publicação numa rede social sobre como mudou a forma de entrevistar, e passo a citar: “Hoje já raramente tenho entrevista cara a cara com as estrelas, agora conversamos por ‘Zoom’. É prático, é frio e distante.” As novas tecnologias também alteraram a forma como se fazem as entrevistas, quer falar um pouco sobre isto?
Sim, aliás acontecem coisas estranhas para mim nesse sentido. Há pouco tempo estava a fazer uma entrevista por “Zoom” e passei por quatro continentes diferentes ao mesmo tempo enquanto estava sentado em casa, em Espinho. Liguei-me a Londres, de seguida a ligação foi passada para Nova Iorque, as entrevistadas estavam em Los Angeles. A entrevista era feita em par, com produtor e com o realizador, em que o primeiro estava em Itália e o segundo na Nova Zelândia. Do ponto de vista tecnológico isto é fascinante, mas não há contacto visual com o entrevistado. Ler o olhar das pessoas é muito importante durante as entrevistas, e assim, através das plataformas digitais torna tudo frio e distante.
Que outros desafios enfrenta o cinema contemporâneo?
Existem sempre desafios tecnológicos a ultrapassar. Eu conheço bem as técnicas de cinema e ainda me surpreendo com certas cenas em que me interrogo ‘como fizeram aquilo?’. Por exemplo, no caso das séries, fico surpreendido com a capacidade que têm de dinamizar e produzir em tão pouco tempo, de criar mundos e cenários digitais, é como se fosse uma máquina poderosa e interativa que mesmo para quem conhece as técnicas é assustador.
O que se pode fazer para trazer as pessoas para a sala de cinema, em locais mais pequenos como é o caso da Mealhada?
As salas de cinemas mais pequenas, como é o caso da Mealhada, têm de construir narrativas à volta do filme que vão exibir para captar público. Portanto, é preciso criar contextos que apelem a ida ao cinema, caso contrário as pessoas ficam mais confortáveis em casa e não vão sair. Apesar da crise que o cinema atravessa continuam a existir muitos festivais de cinema, em Lisboa existem 10 destes festivais. Porque há um sentido de grupo, convivemos, partilhamos histórias, discutimos os filmes o que torna tudo mais apelativo e interessante. O prazer de um filme tem que ver com muita coisa, com quem se viu, qual o era o estado de espírito na altura, o tipo de companhia com quem assistimos ao filme, se existem recordações engraçadas daquele dia, temos de ter um pretexto. Portanto, aliado a tudo isto é possível encontrar meios de apelar ao público para irem ao cinema.
É difícil escolher três filmes que o tenham marcado por algum motivo especial?
Sim, mas é enganoso dizer que temos dois ou três filmes da nossa vida, porque está relacionado com o contexto em que os vimos. Tenho filmes que me marcaram, mas estão associados ao momento e ás circunstâncias, porque o cinema é magia, sedução e encanto. É a capacidade de nos tocar e fazer com que criemos laços com a história. Na minha opinião, do ponto de vista concetual e escrita considero o filme ‘Magnólia’ do Paul Thomas Anderson, extremamente completo, acho que apesar de ser um filme clássico tem uma modernidade conceptual incrível. Também adoro os dois filmes, do Francis Ford Coppola, o ‘Padrinho’. Relativamente ao género clássico escolheria o filme ‘Vinhas da Ira’ de John Ford, considero que é muito atual na história que conta da miséria humana, é o exemplo de um filme baseado numa obra literária, mas que não compromete em nada o livro, ou seja, existe um grande livro e um grande filme, nenhum perde a corrida para chamar a atenção do público.