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A Sr.ª D. Lúcia e o Sr.º Rui… flores de um jardim…!


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 27 novembro 2024

Sempre que ali vou, vejo a Sr.ª D. Lúcia e o Sr.º Rui de mãos dadas, um ao lado do outro. Hoje, a Dr.ª Sandra, diretora técnica, contou-me que sempre que um deles se levanta da cadeira, o outro quer ir atrás. Parecem inseparáveis! O seu estado de dependência é grande, já se notando a incapacidade de comunicarem fluentemente e com nexo. Contudo, a ternura, a cumplicidade e a comunhão de amor, parecem vivas. Sim! Já dizia o sábio Pascal: «o coração tem razões que a própria razão desconhece». Naquele casal, a razão falha, mas a «razão» que brota do coração continua a afirmar-se, de forma lúcida, terna e amorosa.

Viveram muitos anos em Lisboa, onde ela era professora e ele bancário. Depois da reforma, regressaram a Barcouço. Ele com 94 anos e ela com 90 anos, já estão, de facto, muito debilitados. Nota-se bem a falha natural de algumas faculdades. Dizem-me que tiveram uma vida intensa, com o trabalho, além do desgaste que o estilo de vida da grande cidade provoca. Têm dois filhos que vão estando presentes, frequentemente.

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Todos os meses ali celebro a eucaristia, com os cerca de 60 idosos, de Lar e do Centro de Dia. A instituição é na freguesia de Barcouço. Uma IPSS, nascida da solidariedade de um grupo de pessoas de boa vontade que tentou e tenta dar resposta adequada às necessidades e fragilidades de tantos. Como um pouco por todo o lado, as exigências e carências deste tipo de instituições são superadas pela força de vontade e de sacrifício dos que a dirigem e nelas trabalham. Aqui não é diferente e nota-se logo nos primeiros momentos em que ali se entra. Não faltam os sorrisos e a simpatia das funcionárias e técnicas, assim como a disponibilidade serena dos que ali vivem ou passam o dia.

Sinto que por muito que lhes diga e por muito que eles possam perceber, a minha presença, com um pequeno grupo da comunidade que me acompanha, para cantar, é um sinal de que não estão esquecidos, que são reconhecidos e, sobretudo, que Deus os continua amar. Nota-se bem que as dependências de cada um vão aumentando, de mês para mês. Alguns já pouco ou nada reagem, mas que importa!? Estão ali pela grandeza e dignidade do que viveram e do que são, hoje, e continuarão a ser sempre, pela herança humana que vão deixando, apesar do desumano sofrimento que atinge alguns.

Na verdade, a missa mensal é um momento importante para a quase totalidade dos que ali estão e são assistidos. Semanalmente, a comunidade cristã faz-se presente, com um leigo, orientando um momento de oração. Aliás, nem podia ser de outra forma, pois muitos dos que ali estão, como por todas as instituições, tiveram sempre na fé cristã um dos alicerces do seu viver, tanto para as lutas e adversidades, como para as alegrias e conquistas, ao longo dos anos.

Depois de termos celebrado, no domingo passado, o VIII Dia Mundial dos Pobres, importa realçar a lição que se aprende nestas instituições. Num escrito para este dia, o Papa afirma: “quantas vezes vivemos como se fôssemos os donos da vida ou como se tivéssemos de a conquistar! A mentalidade mundana pede que sejamos alguém, que nos tornemos famosos independentemente de tudo e de todos, quebrando as regras sociais para alcançar a riqueza. Que triste ilusão! A felicidade não se adquire espezinhando os direitos e a dignidade dos outros.

As IPSS’s, as Misericórdias e outras instituições, espalhadas por todo o país, cuidam pessoas repletas de dignidade, nas suas vidas. Não podemos negar que são frágeis, debilitados, pobres, pequeninos! Mas, todos, sobretudo os cristãos, segundo o Papa, “sabem que cada um destes pequeninos» traz gravado em si o rosto do Filho de Deus, e que a nossa solidariedade e o sinal da caridade cristã devem chegar até eles.” Pena é que, muitas vezes, a demagogia populista, vazia e inconsequente de quem nos governa, nas várias instâncias, não o perceba. Acho que será por que nunca perceberam que a ternura, pelo e com os outros, é uma das expressões maiores da dignidade humana que nem a doença nem a idade conseguem apagar.

 

Já agora, a instituição, onde está a Sr.ª D. Lúcia e o Sr.º Rui, chama-se «Jardim dos avós». Que bom contemplar naquele lugar, onde muitos só conseguem sempre ver o desconforto do «outono da vida», «flores da primavera da ternura e do amor».