Hoje, mais do que o que acontece, importa como é contado. E, no campeonato da insegurança, ninguém joga melhor do que os media e alguns políticos.
Vejamos André Ventura e o Chega. Basta um microfone e um rodapé com frases como "Insegurança é o novo normal" para incendiar os ânimos. A narrativa é clara: Portugal está à deriva, e, como é de esperar, os culpados são “os de sempre”. Ciganos, imigrantes, todos convenientemente embalados no mesmo saco. E funciona, porque há sempre quem esteja pronto a acreditar no que já teme.
Mas, e os factos? Só até novembro de 2024, 25 mulheres foram assassinadas. Um aumento de 33% face ao ano anterior. Entre elas, uma venezuelana atropelada seis vezes pelo ex-namorado, um homem branco, não cigano. Em junho, um jovem foi esfaqueado no NorteShopping por outro branco, não cigano. Em agosto, um rapaz de 19 anos foi morto em Albufeira, mais uma vez por um branco, não cigano. Ninguém disse “os mesmos de sempre”.
Os crimes cometidos por brancos são tragédias pessoais, desvios do “normal”. Crimes cometidos por minorias são sempre sinais de um problema de “grupo”. Não se trata de negar a criminalidade - mesmo num dos países mais seguros do mundo, ela existe, é grave e deve ser combatida. Mas por que razão uns crimes são bandeira para discursos e outros desaparecem como notas de rodapé?
A resposta é óbvia. Para estes discursos, o que importa não é o crime, mas quem o comete. E, enquanto olhamos para este circo mediático, esquecemos o que realmente está a arder: pobreza, desigualdade, violência doméstica. Mas discutir isto exige trabalho e não dá manchetes apelativas. Dá muito mais jeito um vilão com cara e nome, de preferência alguém que não se possa defender.
No fundo, isto serve sempre alguém. Os políticos ganham palco. Os media ganham audiências. E o público? O público ganha medo. Um medo que alimenta preconceitos, cria divisões e deixa tudo na mesma. A insegurança, na verdade, não tem cor nem etnia. Tem causas. Mas essas não dão um bom espetáculo.
Existem, contudo, exemplos que provam o oposto: que a convivência entre comunidades é não apenas possível, mas desejável e enriquecedora. No município da Mealhada, por exemplo, o Brasil é celebrado de forma simbólica e inclusiva no Carnaval da Mealhada, um dos maiores emblemas da região. Este evento é mais do que uma festa; é um espaço onde culturas se encontram, se misturam e enriquecem a identidade local.
De igual modo, há também um esforço significativo na integração de pessoas de todas as áreas do mundo, promovendo iniciativas que aproximam comunidades. Recordo como exemplo particularmente inspirador o projeto "Contos com Sotaque". Organizado pela Biblioteca Municipal, este programa cria momentos de leitura e partilha de livros em diferentes línguas e com diferentes sotaques. O objetivo é simples, mas poderoso: incentivar o prazer de ler e de escutar, celebrando a diversidade linguística e cultural. Estas ações demonstram que é possível construir uma sociedade onde a diferença não é temida, mas valorizada.