Crónica para aposentados: Os escritores e poetas da Bairrada (Continuação)
Todavia, em relação à poesia, a glorificação do local nem sempre foi proporcional à sua grandeza e formosura, podendo mesmo afirmar-se haver alguma carência ou défice de intervenções, neste âmbito.
Os trovadores românticos da Universidade de Coimbra, no entanto, não deixaram de introduzir, desde muito cedo, o tema na sua plêiade fadista, dedicando-lhe um fado precisamente com a designação de “FADO DO BUSSACO”, com música de António Paulo Menano (1895-1969). A letra da 1ª e 2ª quadras são de Raimundo António de Bulhão Pato e a 3ª é de origem popular, assim compostas:
“Dois beijos tiveste um dia:
Da Aurora, quando nasceste;
E à tarde, quando morreste,
Do Sol que também morria.
E o Sol, no espaço de um dia,
Que mais podia fazer,
Que dar-te um beijo ao nascer
E outro, quando morria!
Mandei ler a minha sina
Na palma da tua mão;
Deu-me a sorte andar contigo
Dentro do meu coração”
Além destes escritores e poetas que sublimaram o Bussaco, surgiram intelectuais, nascidos na sua área ou nela residentes, como: o visconde de Seabra, jurisconsulto, natural de Mogofores, do concelho de Anadia, autor do Código Civil de 1867; os Prof. Doutor António Augusto da Costa Simões e o cons. Emídio Navarro. Costa Simões foi a personalidade mais rica e de maior vulto que, ao longo de todos os séculos, nasceu e viveu no concelho de Mealhada e que dificilmente será ultrapassável no futuro, e uma das mais resplandecentes que passaram pela intelectualidade da cidade de Coimbra. Foi, entre muitas outras coisas, reitor da sua Universidade, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, o grande reformador dos Antigos Hospitais da Universidade de Coimbra e o fundador das termas do Luso. Emídio Navarro, nascido na cidade de Viseu, em 19 de abril de 1844, foi ministro das Obras Publicas do Governo do cons.
José Luciano de Castro, nascido em Oliveirinha do concelho de Aveiro, mas casado e residente em Anadia, que foi um político de grande influência nacional nas últimas décadas do regime monárquico e Presidente do Conselho de Ministros de alguns governos nacionais, da época do rotativismo da Monarquia Constitucional, em 1890; o Prof. Doutor Manuel Rodrigues Lapa, nascido em Anadia, no dia 22 de abril de 1897, onde faleceu a 28 de março de 1989, com 91 anos. Foi um importante filólogo português; o Dr. Alexandre Ferreira Seabra, nascido em Anadia a 12 de março de 1818, onde faleceu em 1891, foi um jurisconsulto e advogado, presidente da Câmara Municipal de Anadia e autor do primeiro Código de Processo Civil de 1869, que foi sogro do Cons. José Luciano de Castro. O Dr. Luis da Cruz Navega, nascido na nossa ex-freguesia de Ventosa do Bairro, do concelho de Mealhada; foi co-fundador da Misericórdia de Mealhada, em 15 de outubro de 1906, a pedido do Professor Costa Simões, e fundador do Hotel Palace da Curia; fundou também, em 1900, com Albano Coutinho, nascido em Lisboa a 5 de dezembro de 1848, filho de Albano Afonso Coutinho, escritor e jornalista de Anadia e com Maria Emília Seabra de Castro, filha do Dr. Alexandre Ferreira Seabra e esposa do conselheiro José Luciano de Castro, residente em Anadia, as termas da Curia.
É tudo isto que faz da nossa Bairrada uma região tão rica e por isso a ela nos vamos referir, no âmbito cultural, na nossa Crónica de hoje, aos seus escritores e poetas, porque, como afirmava um dos seus escritores, que foi Arsénio Mota, nascido em Bustos, do concelho de Oliveira do Bairro, em 1930, numa sua crónica que designou de «Bairrada sem literatura», publicada no Jornal de Notícias, em 1987: “a Bairrada não é apenas terra do leitão assado e do vinho maduro; a Bairrada tem escritores, mas os seus escritores têm muito pouco de Bairrada”. Por isso se dispôs a provar, e conseguiu-o, que a região tinha uma literatura que a exprimia e, mais do que isso, que a Bairrada estava dentro da literatura: ”fervilham as iniciativas, sucedem-se os encontros de escritores e jornalistas, organizam-se palestras, criam-se prémios literários, publicam-se livros, folheia-se avidamente a imprensa regional de outras épocas, evocam-se figuras marcantes como António de Cértima, Acúrcio Correia da Silva, Manuel Alves, José Francisco Moreira e António Barata, entre outros”
(“Arsénio Mota e a Bairrada, 50 Anos de Escrita”, por Carlos Braga, novembro de 2017).
(O artigo continua na próxima edição)