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O leão e o rato…!


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 19 fevereiro 2025

São cada vez mais as pessoas que me procuram, quer presencialmente quer pelo telefone, para se orientarem nas suas vidas, tantas vezes duras e sofridas, para pedirem ajuda ou conselho, ou até simplesmente para partilharem o seu viver. É uma tarefa bela e, ao mesmo tempo, exigente que, como padre, assumo saborosamente e com empenho. São de várias idades, também jovens adultos.

Por estes dias apareceu um, logo de manhã, depois de ter marcado comigo uns dias antes. Tem pouco mais de 20 anos. Cheio de vida e de sonhos, já com o seu curso feito e a trabalhar, quis partilhar comigo algumas «coisitas» – segundo ele – que o incomodavam. Então lá conversámos longo tempo sobre a fé e as dúvidas que ele tem; a Igreja com a qual tem dificuldade em identificar-se; a família que sonha formar com a namorada; o emprego que gostava de ter, embora para começar, o que tem já é bom.

Entretanto, olhei o ecrã do meu telemóvel e percebi que já tinha passado uma hora e meia. Disse-lhe que tínhamos de terminar e marcar novo encontro, pois já estava na hora de outro compromisso que era ir celebrar missa a um lar. Ele levantou-se de imediato, pedindo desculpa. Abrindo-lhe a porta e apertando-lhe a mão, para nos despedirmos, ele disse-me:

 

- Senhor padre, é bem o que faz celebrar missa para os idosos, mas deve roubar-lhe muito tempo e, depois, ali, nos lares, eles já não são capazes praticamente de nada. Não acha!?

 

Não escondo que me apeteceu voltar a fechar a porta e sentar-me de novo para lhe explicar um conjunto de coisas que me estavam a vir à mente. Mas, de imediato, lembrei-me de uma fábula. Então, contei-lhe a fábula do Leão e o Rato, da autoria de Jean La Fontaine, o conhecido poeta e fabulista francês do século XVII.

Certo dia, estava um Leão a dormir a sesta quando um pequeno rato começou a correr por cima dele. O Leão acordou, pôs-lhe a pata em cima, abriu a bocarra e preparou-se para o engolir.

- Perdoa-me! - gritou o rato - Perdoa-me desta vez e eu nunca o esquecerei. Quem sabe se um dia não precisarás de mim?

O Leão ficou tão divertido com esta ideia que levantou a pata e deixou-o ir.

Dias depois, o Leão caiu numa armadilha. Como os caçadores o queriam oferecer vivo ao Rei, amarraram-no a uma árvore e partiram à procura de um meio para o transportarem.

Nisto, apareceu o pequeno rato. Vendo a triste situação em que o Leão se encontrava, roeu as cordas que o prendiam.

E foi assim que um pequeno rato salvou o rei dos animais.

Terminei por lhe dizer, ainda que brevemente, que a fábula que acabava de lhe contar ensina que não devemos subestimar os outros e que devemos tratar todas as pessoas com gentileza e respeito, independentemente, das suas capacidades, da sua pequenez, da sua aparência, ou até do seu poder. Depois, pedi-lhe que nunca esquecesse que só os atos de bondade gratuita e de ajuda mútua são importantes para criar laços de amizade e de solidariedade entre as pessoas, e não porque temos qualquer interesse ou esperamos receber algo em troca.

Já agora, o Papa Francisco, a propósito do próximo Dia Mundial do Doente deste ano, afirma: “Os lugares onde se sofre são frequentemente espaços de partilha, nos quais nos enriquecemos uns aos outros. Quantas vezes se aprende a esperar à cabeceira de um doente! Quantas vezes se aprende a crer ao lado de quem sofre! Quantas vezes descobrimos o amor inclinando-nos sobre quem tem necessidades!”. Fazem-se tantas «coisas espetaculares» que dão tanto prestígio, mas não ensinam o mais importante… somente porque se desvalorizam, ou até esquecem, os mais «frágeis». O pior é que só não vê isto quem não quer!