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Factos? Não, obrigado. Prefiro a minha opinião


tags: Gil Lourenço Ferreira Categorias: Opinião quarta, 19 fevereiro 2025

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook e atual CEO da Meta, anunciou que vai trabalhar lado a lado com a administração Trump. Logo no primeiro momento, para que não restem dúvidas sobre a verdadeira natureza das suas intenções, cessou as parcerias com plataformas de verificação de factos. O argumento? Um esforço em nome da "liberdade de expressão". Caro leitor, não se deixe iludir: o que está em jogo não é a liberdade de expressão, mas a liberdade para desinformar - disfarçada do pluralismo e do lugar-comum de que "todos têm direito à sua opinião".

Hoje, mais do que há uns tempos, rejeitam-se evidências comprovadas em nome da “opinião pessoal”; têm-se em tão boa conta que julgam as suas ideias - sobre todo e qualquer assunto - mais valiosas do que as dos especialistas e as dos estudiosos. Por isso e por mais um par de outras coisas, é imperativo que tracemos uma linha: questões objetivas não são matéria de opinião. Pergunta-se porquê? Por a Terra não se ter tornado plana, apesar de um grupo ter decidido acreditar nisso; por as vacinas não terem deixado de ser eficazes, apesar de algumas vozes dizerem que são maléficas; por a imigração não ser danosa, apesar de fazerem parecer que ela prejudica a sociedade. Mais importante: por a realidade não se ajustar à vontade de uma minoria, ainda que ela insista em distorcer os factos.

Um estudo da Universidade de Stanford dá-nos um cheirinho do que aí vem: conteúdos identificados como desinformação registaram um aumento de 30% no alcance em plataformas que abandonaram mecanismos de verificação independente. Nessas plataformas, a "verdade" deixou de ser avaliada por organizações externas que fundamentavam as suas análises em factos e dados rigorosos. E o cenário tornou-se refém de um perigoso relativismo. A tão rica solidez fundamentada do discurso cedeu lugar a um espaço onde a opinião de qualquer "tolinho sabichão" ousa rivalizar, em peso e em credibilidade, com evidências científicas e estudos académicos de reconhecido prestígio.

O descrédito da expertise em prol da “intuição pessoal” não é novo, mas o apoio institucional a esta ideia favorecerá indubitavelmente a degradação do debate público. Está a quantos exemplos de ficar convencido? Olhe para o último ciclo eleições em Portugal. Não faltam estudos que dão conta da desinformação que abunda nas redes sociais - e da sua influência no discurso político e no incremento de mensagens de ódio. O crescimento expressivo de candidatos populistas, como André Ventura, é justamente um reflexo deste fenómeno.

Quando factos comprovados são tratados como opinativos e a verdade se torna relativa, corremos o risco de comprometer soluções para problemas reais. A batalha por uma democracia robusta exige também que cidadãos sejam incentivados a reportar e a combater desinformação de forma ativa, sob pena da verdade ser abafada por algoritmos ou interesses comerciais. Permitir que opiniões infundadas tenham o mesmo peso que factos é abdicar do progresso em nome da conveniência. A luta é entre dois mundos distintos: o do conhecimento e o da desinformação.