
Já faltam poucos dias para o Carnaval e para a alegria que ele contagia, mesmo que de forma diferente, na vida de tantos que vivemos nestas terras da Bairrada. A propósito, quando era criança, encantavam-me as máscaras que usávamos, na escola, umas feitas outras compradas, onde a brincar com o disfarce, tentávamos enganarmo-nos, uns aos outros, sobre quem eramos de verdade. Tempos belos e que deixam saudade.
Entretanto, desde cedo que fui ajudado e me empenhei pela busca da minha identidade, no caminho do autoconhecimento, procurando responder a uma pergunta decisiva, na vida de todos os seres humanos, a saber: “quem sou eu, afinal?”. Aliás, ainda hoje, continua a ser uma meta pessoal. Nisto, considero todas as pessoas com quem tenho convivido, como meus mestres na procura pelo conhecimento pleno de quem eu sou. Aprendo com todos e cada um dos que me rodeiam um lado sempre novo e diferente do que eu sou e preciso de conhecer, de compreender e, porque não, de amar em mim.
Lembro-me que um dos primeiros choques que tive, neste caminho, foi quando percebi algumas das “máscaras” que quase inconscientemente usava. Mas não era só eu! A minha perceção ampliou-se e vi que quase todos, consciente ou inconscientemente, usavam este tipo de “máscaras”, para esconderem a verdade do que eram e as suas histórias, sobretudo os momentos frágeis e de maior fraqueza. Perguntava-me, frequentemente, se era mesmo necessário usarmos tantas “camadas” para escondermos a verdade da nossa essência, apesar do menos bom que possamos ser. Ao início, cheguei até a acreditar que eram necessárias para poder conviver com os outros, num mundo duro e inseguro. Sem “máscaras”, seria insuportável viver, nesta sociedade, “cruel”. Hoje, já não penso assim!
No teatro grego clássico, a máscara era utilizada para dar significado aos papéis interpretados pelos atores, muitas vezes fazendo com que um mesmo ator encenasse vários papéis diferentes, numa mesma peça. O psiquiatra Carl Jung, no início do século passado, estudou este assunto, falando da “máscara” como instrumento comportamental, de certa forma necessário, para que um indivíduo, perante um grupo social, possa adaptar-se ao meio em que vive. Tem a ver com a forma como a pessoa se coloca diante dos outros, que vai desde a expressão física – como roupas, adornos e objetos –, até aos papéis sociais que assume e à forma como se expressa nas suas relações. Para Jung, a “máscara” é um elemento importante da estrutura psíquica, necessário para manter as relações sociais harmoniosas até determinado nível.
Em certa parte, é verdade. Quem nunca foi a uma entrevista de emprego nervoso, mas aparentou estar calmo e tranquilo? Ou foi fazer uma apresentação de um trabalho académico, perante professores e alunos, e precisou de passar a impressão de estar seguro e confiante? Quem não teve que mudar a forma de se vestir para adaptar-se a um novo emprego, ou a uma família com costumes diferentes? Vou até mais longe… quem nunca disse para alguém “que gosto em vê-lo”, mas na verdade estava a pensar “que chata esta pessoa é!”? Tudo isto são “máscaras” que equilibram a nossa vida em sociedade!
Mas, já que é tudo para manter uma vida social, sem stress e harmoniosa, então não há problemas em usar “máscaras”. Certo!? Não. Errado! O problema não é só usar as “máscaras” para lidar com algumas situações específicas, pois elas escondem sempre a verdade do que se é; mas também o facto de facilmente uma pessoa habituar-se a ser a máscara que usa e não a verdade do que é. Quando não nos conhecemos, não sabemos quem somos na nossa essência e identidade, misturamo-nos e confundimo-nos muito facilmente com os papéis que desempenhamos, ou os outros nos confiam. No fundo, deixamos de ser nós mesmos, para sermos o papel que representamos. Curioso, que no grego clássico, “ator” dizia-se “hypokrites”, que originou a palavra “hipócrita”!
Quando confundimos quem somos com o papel que desempenhamos, acreditamos que somos isso mesmo e deixamos de lado a verdade do que somos! Isto traz malefícios para a nossa saúde emocional, para as relações, mas sobretudo para a nossa realização pessoal. Depois, é cansativo e desgastante usar “máscaras” permanentemente. Só percebemos isso quando deixamos de as usar e sentimos o alívio enorme de sermos livremente nós próprios. Para tal, há que entender que não basta só não usar “máscaras”, é necessário conhecer-se a si mesmo na e com verdade.
Já agora, li algures, a narração de um sonho de alguém que viu quanto as “máscaras” doíam nela. A pessoa sonhava que se olhava ao espelho e percebia que usava uma máscara. Quando a tirava, via como o seu rosto estava cheio de feridas. Sem máscaras, somos muito mais autênticos nas nossas relações, jamais deixamos de ser o que somos de verdade, na nossa essência, e nunca nos ferimos a nós próprios.