Descentralização de Competências tem “carta-branca” da maioria
A Assembleia Municipal da Mealhada esteve reunida em sessão extraordinária, no passado dia 25 de janeiro, para aprovar a aceitação da transferência de competências para o município e para a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC), a que pertence o município. Foram 11 os diplomas a serem submetidos à aprovação dos membros da assembleia, e a todos o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) apresentaram o voto contra. Ainda assim, a maioria aprovou a proposta de aceitação apresentada pelo executivo, garantindo ao município e à CIM-RC a assunção de novas competências ainda este ano.
Gestão de praias marítimas e lacustres, exploração das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, vias de comunicação, associações de bombeiros, estruturas de atendimento ao cidadão, habitação, património imobiliário público sem utilização, estacionamento público, turismo, justiça e fundos comunitários. São estas as áreas sobre as quais incidem os diplomas que foram a votação na última Assembleia Municipal, quatro dos quais têm gestão partilhada entre o município e a comunidade intermunicipal, nomeadamente aqueles que dizem respeito às áreas do turismo, fundos comunitários, bombeiros e justiça.
“Esperemos que o processo de descentralização avance, mas com transparência”, Pedro Semedo, deputado da coligação “Juntos pelo Concelho da Mealhada”
Com a concordância das bancadas do PS e da coligação “Juntos pelo Concelho da Mealhada” todos os diplomas foram aprovados. Porém Pedro Semedo, deputado da Coligação, revelou preocupação quanto à “alocação de recursos financeiros e humanos” que, na sua ótica “a autarquia não terá condições de suportar”, referindo-se concretamente à dificuldade de contratação de recursos humanos especializados, já sentida em outros municípios. “Esperemos que o processo de descentralização avance, mas com transparência”, disse o deputado do “Juntos pelo Concelho da Mealhada”, que lamentou a “forma arrogante como foi conduzido o processo” e a “ausência de transparência na apresentação deste tema”.
A preocupação quanto aos recursos financeiros e humanos necessários é, também, partilhada com o BE e o PCP, sendo este um dos motivos apresentados para votarem contra os 11 diplomas afetos ao processo de descentralização. Sem compreender o motivo pelo qual é necessário aprovar de imediato o processo de descentralização, Ana Luzia Cruz, deputada do BE, e João Louceiro, deputado do PCP, questionaram o executivo sobre a razão de “tanta pressa”.
“Tenho que destacar que não é uma situação pacífica”, começa por considerar Ana Luzia Cruz sobre o processo de descentralização, “13% dos municípios não querem aceitar à pressa a transferência de competências”, afirmou. A deputada continuou dizendo que o BE é “a favor de uma regionalização”, porém entende, citando um congénere político, que “isto é uma transferência de nada” e assinala como um dos grandes problemas a falta de dinheiro e de recursos técnicos e humanos, “temos muito pouco para o tanto que nos pedem”, termina.
“Temos muito pouco para o tanto que nos pedem”, Ana Luzia Cruz, deputada do BE
João Louceiro, deputado do PCP, defende que estamos perante uma “transferência de problemas e encargos”, onde a ponta do iceberg são “as indefinições”, que constituem “perigos vários”. Partindo do princípio que o Governo se está a “desembaraçar de responsabilidades”, o deputado comunista não poupa críticas ao poder central, adjetivando o processo em curso de “indisfarçavelmente atabalhoado”.
Para o PCP, a proposta de aceitação da transferência de competências trazida pela câmara à assembleia “é perigosa”, recordando os “processos anteriores de transferência de competências, como propaganda de uma independência que não é real”. Por isso, João Louceiro considera que a Mealhada se está a perfilar “na frente da corrida para a desgraça”, cedendo à “precipitação desnecessária” de aprovar todos os diplomas no imediato.
“Muitas das coisas que aqui se falam já fazemos no município”, Rui Marqueiro, presidente da Câmara Municipal da Mealhada
Rui Marqueiro respondeu ponto por ponto aos argumentos proferidos pelas bancadas da oposição e começou por esclarecer que “muitas das coisas que aqui se falam já fazemos no município”. A este propósito o autarca referiu que a Câmara presta, atualmente, apoio às vítimas de violência doméstica, coopera na reinserção social de cidadãos que estão a cumprir pena e garante apoio aos emigrantes através dos Espaços do Cidadão, responsabilidades agora reconhecidas à câmara através dos diplomas referentes à área da Justiça e Estruturas de atendimento ao cidadão. No que respeita às Associações Humanitárias, o edil esclareceu “até aqui a Proteção Civil propunha-nos um protocolo e nós pagávamos 50% dos vencimentos”, aos quais acresce o pagamento dos “seguros de acidentes de trabalho do corpo ativo nas duas associações”, porém “os Orçamentos Municipais não consignavam subsídios para as duas associações humanitárias e o que há agora é uma lei habilitante para isto”, garantindo que da parte da Câmara não haverá qualquer “intervenção na vida das associações. Elas têm uma direção para tomar decisões”. Em suma, o edil revela que até agora o município tinha “uma lei geral que nos capacitava para fazermos a gestão de determinadas áreas e estes novos diplomas veem concretizar algumas coisas. Acho que é um bom princípio”, garante.
O autarca esclareceu ainda que alguns diplomas “não têm verbas porque geram lucros”, dando o exemplo dos diplomas que têm a ver com o estacionamento público, a partir do qual poderá advir um lucro de 70% do valor das multas por estacionamento indevido, ficando os restantes 30% para a GNR; e com as vias de comunicação, de onde poderá resultar a entrada de dinheiro nos cofres municipais com a cobrança de taxas sobre a colocação de publicidade nos troços de estrada situados em perímetro urbano. Nesta matéria, Rui Marqueiro explica que a gestão das vias de comunicação dada aos municípios apenas abrange a publicidade, ficando de fora da sua jurisdição a limpeza dos espaços contíguos à estrada, que se manterá na responsabilidade da Infraestruturas de Portugal, contrariamente à vontade expressa pelo autarca.
Alguns diplomas “não têm verbas porque geram lucros”, Rui Marqueiro
Sobre as dúvidas lançadas quanto à existência de meios e recursos humanos que assegurem o processo de transferência de competências, nomeadamente no que se refere à gestão da exploração das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, Rui Marqueiro assegura que “a Câmara tem os recursos necessários para este tipo de responsabilidade. Tem uma secretária geral, administrativos e uma jurista a capitanear o processo, assim como instalações devidamente equipadas”.
Quanto à gestão dos estacionamentos públicos, João Louceiro manifestou preocupação quanto “à eventual competição entre entidades autuantes”, mas Rui Marqueiro descarta essa possibilidade, “o município não vai criar nenhuma empresa municipal de “caça à multa”. Vamos punir os excessos, quem não respeita os direitos dos outros, mas “a fiscalização está reservada às autoridades”, estando do nosso lado apenas a gestão do processo, que será conduzido por um licenciado em direito, que neste momento já se ocupa de processos contraordenacionais”.
Votar contra a transferência de competências para a CIM-RC é “dar um tiro no próprio pé”, Rui Marqueiro
Pese embora a resistência de alguns partidos quanto à aceitação da descentralização de competências, Rui Marqueiro deixou claro, antes do início da assembleia, a importância de votar a favor da transferência de competências para a CIM-RC, uma vez que a entrada em vigor dos diplomas que lhe estão afetos (turismo, fundos comunitários, associações humanitárias e justiça) apenas acontece “com a votação afirmativa dos 19 municípios da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra”.
Pouco antes de ver confirmada a aceitação dos diplomas da competência da CIM-RC, por parte da Assembleia Municipal, Rui Marqueiro declara “faço votos de que nenhum município vote contra, porque estará a dar um tiro no próprio pé”. Sabendo que a gestão dos Fundos Comunitários passa a ser uma das competências da comunidade intermunicipal, o autarca recorda “a nossa dependência de fundos comunitários é obsessiva”, por isso a recusa dos diplomas “só poderia prejudicar o Município da Mealhada”. O edil lembrou ainda os membros da assembleia que o Parque da Cidade, o Pavilhão Municipal, os Centros Escolares e o Posto de Turismo foram feitos com recurso a Fundos Comunitários. “Não há obra nenhuma que não tenha Fundos Comunitários”, garante Rui Marqueiro, que defende que estes são “decisivos para o desenvolvimento local”.