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Relações de Cosme III de Médicis com Portugal


tags: Cosme III de Médicis, Portugal, Alice Godinho Rodrigues Categorias: Opinião quinta, 07 março 2019

Lorenzo Magalloti, secretário de Cosme III escreveu: “Foi-se almoçar à Mealhada, burgo de cinquenta casas. Pier Mari Baldi, o famoso ilustrador da corte do Grão-duque, desenhou a panorâmica do lugar, criando assim a primeira ilustração da sede do Concelho da Mealhada”.

Na altura, Portugal era governado por D. Pedro II, último filho de D. João IV e da Rainha D. Luísa de Gusmão. No dia 28 de março de 1668, no Paço da Ribeira, realizou-se, por procuração, o casamento do príncipe com Maria Francisca de Sabóia sendo procurador, por parte do príncipe, o Marquês de Marialva e, por parte da princesa, o Duque de Cadaval.

Do segundo casamento de D. Pedro com D. Maria Sofia de Neuburgo, principado do Império da Alemanha, nasceram vários filhos, entre eles o famoso D. João V.

Na Toscânia temos a família dos Médicis, sobretudo Cosme III um verdadeiro lusófilo, protetor dos portugueses e da cultura e literatura em Portugal. Culturalmente não desmereceu da tradição de mecenatismo que era apanágio da família Médicis, desde os tempos de Lourenço, o Magnífico.

Reorganizou e enriqueceu a célebre galeria de pintura, repositório rico de tesouros artísticos que hoje admiramos nas coleções da 1ª Galeria de los Uffizi. Aparecem-nos quadros de Giotto (Virgem en el trono), Sandro Botticelli (Nascimento de Vénus, Alegoria da Primavera), Leonardo d’Vinci (Anunciação), Ticiano (Vénus de Urbino) e outros.

Com o concurso do bibliófilo António Magliabechi reuniu e organizou a Biblioteca Palatina, antepassada da atual biblioteca Nazionale Centrale de Florença. Segundo uma sugestão de Francesco Redi, instituiu um gabinete da História Natural que procurou enriquecer com espécies vegetais, animais e minerais de todo o Mundo nas quais estão incluídas as que pertenciam aos territórios ultramarinos Portugueses.

Cosme III, enquanto príncipe viajou pelo estrangeiro, procurando informar-se cuidadosamente do movimento político e cultural da Europa do seu tempo. Visitando, em 1669, Portugal, Espanha, Inglaterra e França. Não foi, pois, um magnata isolado nas torres de um palácio, alheio à sua época e apartado de todo o convívio espiritual e humano com o seu semelhante.

Para nós, Portugueses, afigura-se-nos merecedor de particular atenção pois dedicou-se à nossa cultura e à nossa vida literária um interesse que não encontramos tão forte em nenhum outro príncipe italiano. Quando em 1669, ainda herdeiro da Toscânia, deixava Portugal em direção à Galiza, levava consigo o germe desse interesse que não deixaria desvanecer no seu espírito.

Temos elementos das relações epistolares com a cultura portuguesa: Padre António Vieira, Frei Francisco de Santo Agostinho, D. Rafael Bluteau, Luís Serrão Pimentel, 3º Conde da Ericeira, André Rodrigues de Matos e outros. Enviava muitas vezes obras italianas aos portugueses com quem mantinha correspondência.

Temos notícia do célebre cosmógrafo e engenheiro – mor do reino Luís Serrão Pimentel, ser o primeiro correspondente português de Cosme de Médicis, enviando-lhe muitas obras, entre elas um manuscrito, do grande matemático Pedro Nunes e a “Descrição dos portos marítimos do Reyno de Portugal ao 1648”. Aparecem-nos referências aos seguintes portos de mar da nossa região: Aveiro, rio Mondego e Costa de Buarcos.

Em abril, datado de 1680, encontramos uma carta enviada por Cosme de Médicis ao Conde da Ericeira, a agradecer a primeira parte da obra “A História de Portugal Restaurada”, cuja 1ª parte fora publicada em Lisboa, em 1679.

Outra figura literária de certo relevo foi André Rodrigues de Matos, ligado também a Cosme de Médicis. A sua obra mais importante é a tradução da obra de Tasso: “Jerusalém Libertada”, enviada ao Grão-Duque, que agradeceu tecendo louvores ao engenho literário do tradutor português.

Não podemos deixar de referir as cartas do Padre António Vieira, empenhado num casamento da princesa portuguesa com um filho de Cosme III, que poderia trazer entraves a tal situação, por ter mais irmãos.