Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

“Pensei que o convite era para os apanhados”


Fernando Mendes é o protagonista dos finais de tarde da RTP1, no programa “Preço Certo” há 15 anos. Não se considera apresentador e até pensou em abandonar a carreira de ator, por inseguranças que a juventude trazia por ocasionalidades do trabalho. Devemos à mãe de Fernando Mendes esta entrevista, que não o deixou abandonar a vida de ator, qualidade na qual demos início a esta conversa, que foi para além da vida profissional do homem que se autointitulou “O Gordo” e que leva a vida como um “espetáculo”…

Jornal da Mealhada - Esteve de passagem pela Mealhada nos dias 9 e 10 de março com a peça “Insónias”. O Fernando padece de insónias?

Fernando Mendes – Não. Já tive quando era mais gordo, porque dormia mal por respirar mal. Agora não, não tenho muitas insónias.

JM – Autointitulou-se “o gordo”, mas hoje o Fernando já não corresponde à imagem que o caracterizava. O que é que o levou a tomar essa decisão?

FM – Havia certas coisas que eu não conseguia fazer, por exemplo: baixar-me, dormir, tomar banho como deve ser… Hoje acho que sou mais lavadinho do que antigamente (Risos). Cheguei a uma altura em que disse: “Já chega. Mas qual é o gozo de ser gordo?” O meu pai também era muito gordo e morreu com 42 anos, por isso eu pensei que já estava na altura de deixar de ser gordo. Pesquisei, fui a um médico e andei uns mesinhos “faço ou não faço”... Fiz. A última cabidela que eu comi foi em Vila Verde!

JM – Receou perder trabalho pela nova aparência física?

FM – Esse era um dos meus medos… Os primeiros tempos não foram fáceis, por pensar que as pessoas não me iam receber da mesma maneira, mas é engraçado…Tem sido o contrário. As pessoas ficaram felizes e dizem: “Ainda bem que fez a operação”. Eu sinto-me bem, já durmo bem, não no espetáculo mas em casa (risos). Foi uma boa opção, com 56 anos acho que foi a altura certa e já lá vão 13 meses. Eu acho que os gordos, os muito gordos, deviam fazer a operação, mas têm que perceber: comam antes da operação, comam tudo, os tachos todos (risos), quando forem operados adeus ao tacho e passem para o pires!

JM - É ator por herança ou por apelo?

FM – Por herança. O meu pai até dizia: “estuda!”, mas como eu era dos meus quatro irmãos, o que estudava menos, disse ao meu pai: “estudar? Sabes que não é fácil!” Os meus irmãos fizeram todos a faculdade, eu nunca fiz nada dessas coisas e então, como eu via muitas peças do meu pai, eu e os meus irmãos, aquele bichinho ficou cá dentro. Tive muita sorte, além de gostar, em alguém me convidar, depois do meu pai falecer, para ir para o teatro, não logo como ator, mas como ajudante de contrarregra. Tratava dos adereços, ia às compras, faziam pinturas, pregava cenários, e outras tantas coisas que só me fizeram bem, porque ali aprendia-se muito. Depois, devagarinho, lá ia fazendo uma pontinha ali, uma pontinha aqui.

JM - Estreia-se no Teatro ABC, com a peça “Reviravolta”, em 1980…

FM – Sim. Esse é um teatro que infelizmente já não existe, mas foi aí a minha primeira aparição, no dia 15 de novembro. Eu não falava quase nada, mas mesmo assim estava nervosíssimo. Tudo o que dizia, dizia mal, eu sou sincero a dizer isto, porque não tinha muito jeito, mas eu era filho do Vítor Mendes…Então, tive que perceber: “ou me aplico ou então mais vale sair pela porta por onde entrei. As coisas, passado uns tempos, começaram a correr bem, mas o princípio foi dramático.

JM – Alguma vez pensou desistir da carreira de ator?

FM – Pensei, pensei, pensei. A minha mãe é que me deu muita força nessa altura e ainda bem, se não a esta hora não estava aqui a dar-lhe uma entrevista (risos).

JM – A “Insónia” é a primeira peça que faz a solo, certo?

FM – Eu nunca tinha feito uma peça sozinho e é um desafio que me coloquei a mim próprio. Estava um bocado com medo e estou sempre…Quando entro em palco há sempre um receiozinho, mas depois é giro quando se sente o calor do público. Estando sozinho nesta peça tenho que resistir a meter umas “buchas”, porque se falha alguma coisa, baralho aquilo tudo, que já aconteceu uma vez e as pessoas riram-se!

JM – De que é que fala a “Insónia”?

FM – Nesta “Insónia” o meu personagem tem muito a ver com muitos portugueses. É um rapaz que vive sozinho, porque a mulher o deixou, o que é muito raro acontecer em Portugal (ironia). Porque é que o deixou? Porque ele é um vendedor de vinhos e além disso cheira sempre a vinho, tem sempre mau hálito e chega a casa tarde, porque tem que enganar os clientes. A mulher cansou-se dele e pirou-se, agora se volta para casa ou não, não sei.

JM - “Um espetáculo para brincar com coisas sérias”. É assim que define a sua “Insónia”?

FM – É, realmente. As coisas sérias são os momentos em que ele tem saudades da mulher. Ele percebe que se calhar não deveria ter feito muitas coisas na vida, para a mulher e o filho não se irem embora. Depois tem saudades do filho… Mais tarde liga ao filho e à mulher, uns dias mais bem-disposto que outros, descompondo a mulher mesmo antes de ela dizer alguma coisa. Portanto, as coisas sérias são essa parte ternurenta da saudade que ele tem da mulher e do filho e o sentir-se sozinho, mas a peça é muito engraçada.

JM – A “Insónia” esgotou rapidamente na Mealhada e tem sido assim um pouco por todo o país. A que acha que se deve o sucesso?

FM – A televisão ajuda muito, a popularidade do “Preço Certo” ajuda muito e, não desfazendo, o artista já cá anda há uns anos a trabalhar… Eu sinto, sem vaidade, que o público tem muito carinho por mim e isso ajuda-me a encher casas, ajuda a que as coisas corram bem.

JM – Foi a primeira vez que veio à Mealhada?

FM – Lembro-me que a primeira vez que vim a este teatro, primeira e única vez, foi para aí há cerca de 30 e tal anos, com o Camilo de Oliveira. Lembro-me, perfeitamente, que foi numa altura de inverno e que o fosso da orquestra estava cheio de água. Eu nunca me esqueci disso e é engraçado que muitos atores que passaram por aqui falam disso ainda hoje. Acho que isso não aconteceu só uma vez, aconteceu várias vezes, portanto, quer dizer que chovia muito naquela altura e que, se calhar, havia infiltrações. O teatro hoje está lindíssimo, aquela fachada continua a mesma, mas mais bonita, e lá por dentro está extraordinário.

JM - Pai, ator ou apresentador. Com qual dos papéis se sente mais confortável?

FM – E, se calhar, avô também. Apresentador, vou ser sincero, não sou. Estou à frente daquele programa, mas não sou apresentador, nem tenho jeito para isso. Se reparar bem naquele programa, vai ver que eu faço sempre as mesmas perguntas: de onde é que veio, o que é que faz na vida. Há 15 anos que faço isso, porque não sou apresentador, nem quero. Aliás, pensei que o convite era para os apanhados. A minha primeira resposta foi: não posso aceitar porque isto não tem nada a ver comigo. Acabei por aceitar, mas moldei o programa à minha maneira e as coisas correram bem.

JM - Apresentador d’“O Preço Certo” desde 2003. É o programa com maior longevidade na televisão portuguesa. Qual é o segredo da vitalidade?

FM – Acho que é ser genuíno. O programa, para mim, é o país real. Vêm pessoas de Norte a Sul do país com quem converso na base do “tu cá, tu lá”. Eles vêm-me na televisão, estou em casa deles todos os dias, por isso nos tratamos por tu e acho que ajuda muito. Temos miúdas giras e, para além disso, agora temos música, que também ajuda muito o programa, mas a grande atração do programa são os prémios que as pessoas vêm em casa, por isso temos uma lista de espera muito grande para ir ao programa.

 

Fotografia: Fernando Mendes