Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

Património no concelho de Mealhada - Observações. 2.


tags: História, Mealhada, Maria Alegria Marques Categorias: Opinião quarta, 20 março 2019

De acordo com o anunciado, iniciamos o nosso percurso pela arquitectura patente no concelho, ressalvando que deixaremos de lado (pelo menos, por agora) tudo quanto diz respeito ao conjunto arquitectural do Buçaco.

No concelho domina a arquitectura religiosa, como é patente. Terras de povoamento muito antigo, desde cedo as suas gentes levantaram templos, igrejas e ermidas, aos seus patronos celestes.

Salvo raríssimas excepções, de que falaremos em momento próprio, as igrejas do concelho apresentam, de um modo geral, o aspecto que as grandes obras dos séculos XVII ou XVIII lhes atribuíram e que os povos têm mantido desde então. São as igrejas da Contra-Reforma, movimento regenerador e renovador da Igreja Católica, igrejas amplas, de uma só nave.

De todas as igrejas do concelho, as mais antigas como entidades espirituais são a de Vacariça e a de Casal Comba. Como é sabido, na primeira, veio a ter lugar um antiquíssimo mosteiro, atestado pela primeira vez, em 30 de Novembro de 1002, e talvez ele próprio desenvolvimento de uma anterior igreja, própria, particular, como era comum pelo tempo, de provável notícia do ano de 972. Já a segunda se poderá inferir – pelo seu patrono e pela sua situação geográfica – existente no ano de 950, se a pudermos identificar, como cremos, com a igreja de São Martinho presente na doação da villa Silvã, feita naquele ano, pelo presbítero Abundantis, ao mosteiro de Lorvão. Seja como for, desses tempos, nada resta.

Por contraponto, diga-se que a mais recente é a de Mealhada, sagrada em 29 de Março de 1992. Muito diferente das restantes do concelho, espelha, em si, as directrizes do Concílio Vaticano II e as orientações e preocupações do nosso tempo.

De todas as igrejas do concelho, é ainda a de Vacariça aquela que apresenta uma implantação local mais interessante ou mais intrigante. De facto, apresenta-se, ao seu frequentador ou visitante, em situação assaz curiosa – entrada, hoje, apenas por uma porta lateral, com a principal, tapada por adossamento à antiga casa da residência paroquial, num conjunto em ângulo recto. Esta situação, incomum, talvez se reporte a tempos em que igreja e residência paroquial eram um conjunto uno, significando, o pormenor, a possibilidade de acesso directo ao coro da igreja. Uma segunda porta existente na única fachada livre da igreja, a norte, é o testemunho de tempos antigos, em que homens e mulheres tinham lugares bem distintos dentro das igrejas.

O que, hoje, se vê na igreja de Vacariça, é, sob o ponto de vista arquitectónico, obra dos séculos XVII e XVIII.

Na igreja de Vacariça deve ainda salientar-se a sua torre, do século XVIII, boa peça de arquitectura do século XVIII, também. É isolada da igreja, talvez em resposta a problemas de construção, isto é, ao facto de já, ao tempo, a obra da igreja não comportar acrescento de envergadura, como o presente.

Temos, para nós, que a igreja de Vacariça ocupa, ainda hoje, o lugar do antigo e desaparecido mosteiro. Os pormenores da sua construção, que acabamos de colocar em realce, são, para nós, indícios de uma ocupação sequente no tempo. Ao mesmo tempo, a propriedade que lhe é contígua, a sul, bem como o adossamento da construção a oriente (antiga residência paroquial, por vezes, casa do bispo diocesano, senhor do couto, que aí chegou a mandar passar documentos, como em 1220, instituindo a festa da Conceição de Nossa Senhora, na diocese de Coimbra), revelam a continuidade de uma estrutura que bem pode reportar-se à antiga cerca de um mosteiro. Há ainda a referir que não se conhece, nesta freguesia, qualquer lugar com o nome de igreja velha, expressão extraordinariamente sintomática de caso de mudança de lugar de culto, que as populações guardavam na sua memória colectiva e transmitiam daquela maneira.

Em tempo, ajudámos a Câmara Municipal de Mealhada, na pessoa do seu Presidente e a seu pedido, a abrir caminho (fornecendo-lhe nomes e intermediando contactos) para prospecções arqueológicas, no local da igreja e suas adjacências imediatas; achando-se servido, ainda hoje esperamos qualquer indicação ou de resultados ou, mesmo, de trabalhos efectuados ou a realizar, pelo que também não podemos informar os leitores.