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O egoísmo, o fósforo e a vela


tags: Opinião, Síndrome Procusto, Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 03 abril 2019

Tenho assistido perplexo, nos últimos tempos e em várias ocasiões, a discursos e atitudes demonstrativas de egoísmo por parte de algumas pessoas. Preocupa-me sobretudo quando este egoísmo é mascarado com o vazio de algumas afirmações da moda: «tenho o direito a ser feliz»; «já chega de andar sempre a dar-me aos outros»; «cada um que se desenrasque»; «eu tenho é que pensar em mim»; etc.. Com efeito, frases como estas não fazem mais do que esconder essa maneira individualista de viver, em que os outros e tudo resto só valem se estiverem em função dos interesses e das vantagens pessoais.

Aliás, as afirmações da moda não são totalmente erradas, o seu mal está em serem feitas a partir de uma visão egoísta da vida, onde cada um se julga o centro do mundo e tudo tem de depender de si. É por isso que o egoísta põe sempre em causa o que os outros dizem, vê defeitos naquilo que os outros fazem e nada lhe agrada fora de si e do seu «pequeno mundo».

O pior é quando esta forma de estar na vida passa, como por contágio, para os outros, mesmo os mais novos, transformando-se num vírus social que mina relações, cria tensões e destrói a sã convivência da normalidade. O facto de haver demasiada crítica, imensas posturas destrutivas e uma generalizada insatisfação, azedando a maneira como cada um se situa perante os outros e a vida, são prova disto mesmo.

Nesta linha, existe mesmo o famoso «Síndrome de Procusto». Trata-se de uma «doença» e consiste em alguém não poder suportar que uma outra pessoa, de nível inferior, supere as suas habilidades, qualidades e possa progredir e destacar-se em qualquer âmbito. Tal acontece nas empresas, nos grupos, nas associações e em todo género de trabalho de grupos. Sinto que anda muita gente a sofrer deste síndrome e a provocar muitas «dores» em outras pessoas, instituições, comunidades e famílias.

Ainda em Tempo de Quaresma, recordei-me de uma história que pode ser o início da cura para o egoísmo e as doenças que ele provoca.

“Certo dia o fósforo disse para a vela:

- A minha missão é acender-te.

- Ah, não! – disse a vela. Tu não vês que se me acendes, os meus dias estarão contados. Não faças uma maldade dessas!

- Então queres permanecer toda a tua vida assim dura, fria, sem nunca ter brilhado, perguntou o fósforo.

- Mas ter que me queimar. Isso dói. Consome as minhas forças, murmurou a vela.

- Tens toda a razão, respondeu o fósforo, esse é precisamente o mistério da tua vida. Tu e eu fomos feitos para ser luz. O que eu, como fósforo, posso fazer é muito pouco. Mas se passo a minha chama para ti, cumprirei com o sentido da minha vida. Eu fui feito justamente para isso: para começar o fogo. Tu és vela. A tua missão é brilhar. Toda a tua dor, a tua energia se transformará em luz e calor.

Ouvindo isto a vela olhou para o fósforo que já se estava apagando e disse:

- Por favor, acende-me.