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Património no concelho de Mealhada - Observações 3.


tags: História, Mealhada, Maria Alegria Marques Categorias: Opinião quarta, 03 abril 2019

Atenta ao cumprimento das regras da edição do “Jornal da Mealhada”, nem sempre os textos que apresentamos podem ter a coerência que deveriam ter, pois que, por vezes, as ideias a desenvolver não cabem, na perfeição, nos caracteres que nos são amavelmente dispensados.

Significa isto que nem sempre poderemos esgotar num mesmo texto todo o manancial que a temática proporciona e a sua análise exige.

Isto explica que o tema presente, o património arquitectónico religioso do concelho, se continue a abordar por mais alguns números.

Das paróquias primitivas do actual concelho, a de Ventosa remontará ao século XI, tal como a capela de Antes, então dedicada a São Félix. O actual edifício paroquial será obra do século XVIII. Na sua porta principal tem uma inscrição latina, PULSATE. APERIETUR VOBIS. 1702, com um 9 dentro do 0. A frase é conhecida, do Evangelho (Lucas: 11, 9; Mateus: 7,7), “Batei e abrir-se-vos-á”, qual convite à certeza na infinita misericórdia de Deus. A questão do numeral incluso será emenda ou aproveitamento para “1792”, em sinal de outra campanha de obras.

A igreja de Barcouço merece atenção, pois conheceu vicissitudes várias ao longo dos séculos. Remonta pelo menos ao século XII. Uma memória antiga do seu edifício colhe-se em lápide que remonta ao século XIV e que, na transcrição do Professor Doutor António Nogueira Gonçalves, dizia o seguinte: IN N(OMIN)E D(OMI)NI AMEN. F(E)RIA TERÇA XVII DE FEVEREIRO DIAS ANDADOS SAGROU ESTA EYGREGA O BISPO DOM RAYMONDO PER EXPEN(S)AS DE PERO DOMING(U)ES E(T) DONA FRANCISCA. ERA DE MCCCLVIIII. Isto é, a igreja foi sagrada no dia 17 de Fevereiro do ano de 1321 (equivalente ao ano da Era Hispânica de 1359, inciso na lápide), numa terça-feira, pelo bispo da diocese de Coimbra, D. Raimundo Ébrard I (1319-1324), com as despesas a cargo de um certo Pedro (Pero) Domingues e uma certa D. Francisca. O bispo era um clérigo francês, que chegou a Portugal com seu tio, o bispo D. Aymeric d’Ébrard, aquele que uma antiga, mas falsa, tradição, quis fazer preceptor do rei D. Dinis. Em Coimbra, D. Aymeric foi acompanhado de alguns franceses, entre eles, esse seu sobrinho e, um outro, seu sobrinho-neto, também de nome Raimundo, que também viria a ser bispo de Coimbra (1325-1333), ambos, depois de ocuparem importantes cargos no cabido da Sé de Coimbra.

Pelo que acima afirmamos acerca da existência anterior da igreja, o edifício sagrado em 1321 não seria o seu primitivo ou, sendo este, sofreu, então, obra significtiva. Sendo a igreja de Santa Maria de Barcouço de padroado do bispo diocesano, os nomes de Pedro Domingues e D. Francisca seriam de benfeitores locais, contribuintes para a obra ou que assumiram as despesas da sagração de um novo edifício eclesial.

É muito possível que este edifício fosse o que chegou ao século XVIII, embora muito degradado. Por isso, o culto teria lugar na capela do Sacramento, a qual, na opinião do Professor Doutor António Nogueira Gonçalves, deveria coincidir com o local da igreja actual. Em 1736, ter-se-ia erigido o actual edifício, a expensas do povo e do Dr. António Garrido, membro de uma importante família da nobreza de Coimbra e dignitário da sua Sé, com o priorado barcousense.

A igreja de Barcouço estava ainda destinada a sofrer novo percalço: um incêndio, em 1917, havia de devastá-la, deixando-lhe, apenas, o corpo arquitectónico.

Por último, atente-se num outro tipo de património, o simbólico, patente nos oragos das igrejas do concelho: São Martinho Bispo [de Tours; Casal Comba], São Vicente [Vacariça], Santa Maria (Nossa Senhora do Ó e Nossa Senhora da Assunção, em Barcouço e Ventosa, respectivamente), nas mais antigas. Nas mais recentes, Luso e Pampilhosa, as suas gentes preferiram Nossa Senhora da Natividade e Santa Marinha, respectivamente. A novel, em Mealhada, iria buscar a devoção a Santa Ana, protectora da localidade desde o século XVIII, indiciando também uma mudança de mentalidades.