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Património no concelho de Mealhada – Observações 4.


tags: Mealhada, História, Maria Alegria Marques Categorias: Opinião quarta, 17 abril 2019

Perante o derrube da antiga Fábrica das Devezas, vulgo, Fábrica Velha, em Pampilhosa, é ele o tema de hoje.

Era sobretudo em Pampilhosa que se mantinham de pé os poucos exemplares que lembravam o desenvolvimento industrial alcançado pelo concelho de Mealhada nas primeiras décadas do século XX.

Outras necessidades económicas, outros projectos, desconhecimento, pouca atenção ao património, desinteresse pessoal e institucional, tudo confluiu em rápido e irreversível desaparecimento de vários edifícios industriais do concelho, mormente em Pampilhosa.

Limitando-nos ao que ainda persiste, em Pampilhosa, pois muito se perdeu, conscientemente ou não, em conivências várias, ou não, o que se vê tem um aspecto verdadeiramente confrangedor, senão sinistro – como há pouco lhe ouvimos chamar, em acto público. Fantasmas do passado, os restos existentes lembram, aos moradores e a quem passava, que esta terra foi pujante de vida e úbere de sonhos. Mas poucos saberão que, hoje, tais restos pertencem, maioritariamente, a uma entidade pública, a Câmara Municipal de Mealhada (CMM).

Em momentos distintos do poder democrático, quando o povo deveria ter uma palavra própria e forte sobre os seus destinos, bem supremo para ser alienado em mãos de qualquer, muito menos de quem não sente a terra ou os anseios dos seus, a CMM comprou tal património. Razões muito ponderosas o terão determinado, pois não pode ser à toa que se tira do erário público, que a todos pertence, um cêntimo que seja.

Porém, ao comum dos cidadãos, não se apresenta qualquer razão, muito menos válida, para o que se tem visto, ruína, desmazelo, incúria e, agora, destruição.

Não saberá, a CMM, o valor – material e simbólico – da antiga Fábrica das Devesas, vulgo, Fábrica Velha e da sua fachada nascente? E não pretende(u) tirar partido do que é seu?!

Saberá, por certo, quanto custou. Mas não, não sabe o seu valor. Se soubesse, tudo teria feito para a proteger, como património identitário que é, na arte cerâmica portuguesa e no concelho onde se encontra. Mas não quis saber, pela inércia que se conhece e pelo que, hoje, se assiste. Sob a força do camartelo, que destino a espera? Quem o sabe? A Junta de Freguesia? Onde está a sua tomada de posição? Do Presidente da Câmara, não se estranha; terá um qualquer parecer a justificar o acto… Mas a posição e a responsabilidade do Vereador da Cultura? Também não existe?! Que foi feito da ideia acerca do projecto de musealização do local, que sabemos ter sido falado?! Ou já nasceu novo amor?! Um museu em espaço que se teima em comprar, na Mealhada, sem se saber para quê… Cuide do que a CMM já tem, Senhor Presidente!

Há que parar a destruição e apresentar projecto viável para os restos da Fábrica Velha. Há que salvaguardar o que ainda está de pé, o possível. Não saberá, o Município, que, hoje, há múltiplas formas de valorizar o património? Não tem políticos (ou aprendizes), técnicos e moradores capazes de, em esforço comum, e em sinergias estreitas, ousarem um projecto para tais espaços?! Não sabe, o Município, o Presidente, o Vereador da Cultura, que a cultura é, hoje, um factor de valor?

Num tempo em que a CMM parece lançar-se em novos vôos culturais, como um festival de jazz, o cenário de uma fábrica não poderia ser um local ideal a esse evento? Ouse, Senhor Presidente, junte a essência da coisa ao espírito do local! E descentralize, que não lhe fica nada mal.

Em Pampilhosa, se já pouco se preparava o futuro, agora, despreza-se o passado, e em bem que até pertence à CMM, e custou dinheiro aos munícipes.

Proprietária de bens em nome de todos os munícipes, a CMM tem a obrigação de cuidar deles. Isso mesmo sobre a antiga Fábrica Velha, de Pampilhosa, espaço emblemático da freguesia e do concelho. Pelo que se vê, parece o contrário, em acto de desleixo, incúria, configurando descuro do futuro, crime de lesa-património.

Que aos munícipes seja apresentado um projecto que nos obrigue a reconsiderar.