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Eu Sou Abril


tags: Abril, Perspetiva, Mauro Tomaz Categorias: Opinião sexta, 03 maio 2019

Como deixar passar este mês sem dedicar umas palavras à Luz e à Libertação que o Povo Português conquistou há 45 anos atrás? Apesar de um saudosismo salazarista aqui e outro acolá, na sua maioria nascidos de uma profunda ignorância da própria História, creio que ninguém terá dúvidas de que o país está francamente diferente passado todo este tempo, desde que emergiu da Censura e do Negrume. Diferente para melhor. Para muito melhor! O progresso democrático e o consequente projecto de modernização social ainda em curso, com destaque para a emancipação da mulher, que o tornou igualitário, são marcas muito fortes da nova sociedade portuguesa em que hoje podemos dizer que vivemos, a par da plena universalização de acesso ao ensino, que é algo de incrivelmente precioso. Para alguns, os tais saudosistas que referi, talvez fosse preciso experimentar na primeira pessoa a clausura absoluta do Estado Novo para conseguirem saborear a Liberdade conquistada e os direitos de que hoje inconscientemente usufruem.

Não vivi a época, mas sempre tive presente junto de mim a enormíssima importância da Revolução, após aquele período negro que deixou feridas profundas no orgulho de toda uma Nação. Os meus antepassados sempre resistiram e sempre lutaram contra o que estava despoticamente estabelecido, o que me envaidece e inspira de sobremaneira. O meu tio-bisavô Tomaz da Fonseca, “um Homem corajoso em terra de conformados”, foi permanentemente perseguido e continuamente vigiado pelos seus ideais políticos que estavam bem expressos nos seus livros, objectos de censura óbvia pelo afrontamento feroz que fazia ao regime, tendo por isso sido várias vezes encarcerado pela Polícia do Estado de então, que era a PIDE. Já a minha tia-avó Fernanda de Paiva Tomaz tinha uma convicção tremenda, obstinada mesmo, de características absolutamente fora do normal para o estereótipo da mulher portuguesa comum no Estado Novo. Fervorosa militante comunista, cedo passou à clandestinidade, com vinte e poucos anos. O seu empenho enérgico e de profuso vigor reactivo valeu-lhe a aplicação de repetidas torturas, onde sempre a tentaram vergar da forma mais desumana, forçando-a a uma rendição que na sua cabeça nunca teria lugar. Fernanda era rija como o aço. Uma Mulher de inaudita coragem, com uma coerência à prova de bala, daquelas que são mesmo muito raras. Nunca me cansarei de gritar por Abril, como nunca deixarei de recordar os enormes feitos de todos os grandes protagonistas que contribuíram para o Portugal que hoje conhecemos. Otelo! Zeca Afonso! Salgueiro Maia! Mário Soares!

É sempre importante lembrar o passado para conseguirmos compreender o presente e, sobretudo, para aprendermos as devidas lições no momento de olhar para o futuro, mas Abril não é apenas uma data. Abril é para cantar e clamar todos os dias. Todos-os-dias. Abril tem obrigatoriamente que ser uma inspiração de todos os dias e não só de alguns, onde o conformismo reina e a injustiça prevalece. Ser livre para dizer que sim... mas também ser livre para dizer que não. Ser livre para dizer que sim, mesmo quando isso parece tudo menos fácil, simpático ou “conveniente”. Ser livre para dizer que não a todas as formas de abuso, de culto do silêncio e da opressão. Ser livre para dizer que não, sobretudo quando é precisamente isso que se impõe, sem pensar em dúvidas, “medos” ou subordinações de qualquer espécie. Abril não se pode apenas apregoar de forma estéril e inconsequente, é para se praticar diariamente, sem amarras nem bloqueios.

Eu sou resistente porque luto contra tudo o que está incorrectamente estabelecido como sendo “correcto”. Eu sou Abril porque hoje sou o resultado de tudo o que Abril permitiu a todos nós. Ser Abril é dizer que sim, mas também ter o pleno direito de poder dizer que não. Ser Abril é ser corajoso e inconformado. Ser Abril é combater sempre por um futuro melhor e mais justo. Ser Abril é agir pela Liberdade durante todos os dias do ano, não a recusando nunca.

Eu sou Abril. Sempre!