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Crianças de outro mundo


tags: Crianças, Mundo, Hermínio Pires Categorias: Opinião sexta, 03 maio 2019

É triste! É muito triste!

Não sei qual será a melhor forma de passar para o papel a emoção que me vai na alma, por toda aquela miséria, fome, doença, devastação de que são vitimas seres humanos a darem as primeiras tristes passadas neste mundo.

Temos bem presente aquela fatalidade em Moçambique, bem como toda a miséria que substitui o pão nosso de cada dia, em tantos outros cantos do mundo.

Sendo o Universo tão equilibrado nas suas leis, eu não entendo, ultrapassa-me a compreensão, chega mesmo a revoltar-me, como é possível que consinta que crianças que nasceram, tal como todas as outras, do mesmo milagre da mãe natureza, que é a lei da renovação da raça humana, daí, com os mesmos direitos, igualdade, fraternidade e aquando dos seus primeiros choros, à luz do dia, esses seus choros, em vez de serem um hino de agradecimento à vida, sejam já de fome. Fome que se prolongará pela vida fora. Fome sem fim.

Quantas e quantas mães vivem amarguradas num estado de gravidez, temendo perder o filho, que será a sua única riqueza, o seu tesouro, por não terem forma de matar a fome, tal a escassez de meios.

Pergunto-me: Estas crianças, se conseguirem resistir, alguma vez lhe vai ser dada a oportunidade de serem felizes? Alguma vez terão condições e respeito, como têm outras crianças que nasceram em berços de ouro?

Estou ciente de que dificilmente o conseguem, embora o mereçam.

Daí que, por vezes, o universo entristece-me, tal como muitas leis dos homens, tendo como principal a tremenda desigualdade.

Mãe natureza! Se lhes deste este espaço térreo, porque não lhe ofereces a mesma oportunidade de serem gente, tal como os outros?

Por acaso foram eles que escolheram onde nascerem?

A lua, o sol, o ar que todos respiramos, não é de todos e para todos? Na verdade e infelizmente, é só para alguns, porque o roubam em proveito próprio, para satisfazerem a ganância, a opulência. Esta é a triste realidade deste mundo.

Daí que, os miseráveis, os pés rapados, não contam. São classificados como seres de um outro mundo qualquer, que caíram neste por um mero engano e nada mais que isso, portanto, condenados a serem explorados, até que a morte se lembre de que já não servem para nada.

Aqueles que podiam e deviam partilhar melhor o mundo, fecham-se nas suas mansões e países ricos, em vez de ajudarem a erradicar a fome, constroem muros bem altos à sua volta.

Vi imensas reportagens da catástrofe em Moçambique, que chocaram brutalmente, mas algumas delas, em determinado momento, foram de tal maneira exploradas para terem um preenchimento máximo de tempo de ecrã que, por vezes, pareciam ser apenas reportagens de um acontecimento como outro qualquer.

Assisti, por exemplo, a uma em que uma repórter toda esganiçada anunciava:

- “Aos poucos, já se reconstroem casas.”

E, na sequência da notícia trava de imediato o passo a um infeliz que carrega às costas uma molhada de simples varas, seguido por outro com ramos para servir de telhado. E pergunta:

- “Vai construir de novo a sua casa?”

Pouca ou nenhuma sensibilidade, naquela cabeça oca, só tendo em mente a reportagem pela reportagem, não primando pela qualidade, pelo lado humano da pessoa interpelada, o que interessa é a reportagem, nem que ela seja de todo estúpida.

Será que aquilo que ela chamou de “casa” e que aquele infeliz ia reconstruir virá a ser como a dela?

Enfim!...

Deixo uma mensagem do Papa, que eu respeito, como homem de bem:

- Todo aquele que edifica muros à sua volta, poderá vir a ser seu prisioneiro.