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Património no concelho de Mealhada - Observações 6.


tags: História, Maria Alegria Marques Categorias: Opinião quarta, 15 maio 2019

Após interregno suficientemente justificado, regressamos ao património arquitectónico religioso do concelho, no qual merecem também atenção as muitas capelas espalhadas um pouco pelo seu território.

No seu arrolamento, poderemos socorrer-nos também de uma obra preparada e editada pela Câmara Municipal de Mealhada, Inventário #001. Património cultural, civil e religioso do concelho de Mealhada. Mealhada, Câmara Municipal de Mealhada, 2001, 410p., a que já nos referimos nesta série de artigos.

A obra, editada em tempo da Presidência de Carlos Cabral, apresenta-se com objectivos bem definidos, nas palavras do então edil: “protecção da identidade (…) dentro de uma mais vasta região, a Bairrada; a preservação, conservação, promoção e fruição do vasto património cultural, civil e religioso deste Concelho [de Mealhada]” com vista à “recuperação e revalorização de alguns elementos inventariados que, por vicissitudes várias, se encontram degradados ou esquecidos” (p. 001).

 Foi sua autora Maria Manuela Soares, Técnica-Superior do Município de Mealhada e jovem promissora, como se percebe pelo presente trabalho. Era bem ambicioso o seu projecto: “inventariar aquilo que, no Concelho de Mealhada foi, por um motivo ou por outro, testemunha silenciosa ou tantas vezes interveniente nos últimos anos, décadas ou mesmo séculos da História deste Concelho” (p. 003).

Na sua essência, a obra encontra-se organizada por freguesias e, dentro delas, pelos diversos lugares que as compõem. No projecto apresentado, caberia tudo o que, de material, ficou de tempos idos. E, de facto, assiste-se, na obra, a uma mescla de elementos que o leitor terá de saber perceber e integrar num conjunto diverso de realizações, sentidos e significados, tanto mais quanto o que nos é fornecido se nos oferece sob a forma de ficha, obedecendo, por isso, a um esquema prévio (Designação – época – tipologia – descrição). Aceitando esta grelha de análise com a certeza de que qualquer uma é sempre discutível, já nos parece problemática a falta de indicação acerca dos critérios (se os houve, tal a heterogeneidade de indicações) para a classificação dos elementos arrolados, bem como o modo simplista como foi concebida. Isto é, a obra carece de indicação de elementos instrumentais, bem como de todo um conjunto de elementos necessários à boa caracterização dos bens inventariados, com vista a uma informação mais precisa e rigorosa.

Por exemplo, o conteúdo de “época” é ambíguo, no conjunto; a tipologia é, sempre, “religiosa” ou “civil”, sem outro elemento caracterizador; encontram-se ausências inexplicáveis de freguesia para freguesia. Não se vislumbra um esforço em obter informação precisa e aprofundada acerca dos processos construtivos, como não se cuidou de oferecer a localização precisa das diversas construções elencadas, tanto mais importante quanto é veloz a desertificação e o esquecimento na voragem dos processos económico-sociais do nosso tempo.

Apesar destas observações – e mais não se pretende fazer -, entendemos de superior valia esta obra, num concelho pobre de publicações, e recordamos, com saudade e grata recordação, a sua autora, a quem a vida mais não deixou fazer. Se mais vivesse muito mais e muito melhor teria feito, tal era a sua forma de estar na vida.

Ora, encontrando-nos nós ainda no campo do património arquitectónico, é ocasião para olharmos também esta obra, pois que, nela, se colhem informações preciosas para o seu conhecimento, sobretudo no que a capelas e cruzeiros diz respeito.

De um modo geral, tais construções, espalhadas um pouco por toda a parte, reflectem uma arquitectura popular, minimalista, sem outro qualquer intento que não seja a capacidade de albergar a imagem do Santo protector, perdidas as suas motivações primordiais. O panorama geral é bem diverso, e muito diferente a história de cada uma.

Será sobre aspectos menos conhecidos desse tipo de património que nos debruçaremos em próximos artigos.