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“Um português na Ucrânia não teria o apoio que eu tive em Portugal”


tags: Mealhada, Bairrada Categorias: Região quinta, 27 junho 2019

Oxana nasceu em 1973 em Pevek, na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Situada na zona norte da Sibéria, esta era uma “cidade fechada, onde só se podia entrar com visto”. Aqui não havia verão e, no inverno, as temperaturas alcançavam os 45 graus negativos. Oxana recorda-se de ver ursos brancos no centro da cidade. Em Pevek, também “não havia árvores” e os alimentos chegavam por barco, nem sempre a tempo de colmatar as faltas. Naquela região, “a vida era tão dura” que as pessoas tinham direito à reforma mais cedo. “Quando os meus pais se reformaram, fomos viver para a República Socialista Soviética da Ucrânia”, ainda na URSS. Foi aqui que casou com o atual marido, Sergiy Zabolotny, em 1991, ano em que a Ucrânia se tornou um país independente. A primeira filha nasceu lá, numa altura em que a vida se começou a “complicar”, tornando-se “instável”. Antes da independência, “vivia-se muito bem na Ucrânia”.

Vir para Portugal – “um país sobre o qual não sabia nada” – foi uma ideia que surgiu entre um grupo de homens, onde se incluía o marido de Oxana Zabolotnya. “Dizia-se que cá havia muito trabalho”. A “aventura” começou em Leiria. Seguiu-se depois Coimbra e logo a seguir Antes, na Mealhada. O marido de Oxana, que começou por trabalhar na construção civil, “integrou-se bem”, aprendeu rapidamente a nova língua e, quando estava em Antes, chamou a família: “viemos para Portugal em 2001, mas confesso que me custou muito. Não queria vir”, recorda Oxana. Nesta aldeia, a recém-chegada foi “muito bem recebida. Deus beijou-me na testa porque as pessoas ajudaram-me muito. Mas a minha adaptação foi difícil, sofri muito. Estava habituada a viver numa grande cidade, numa casa com aquecimento, cá era tudo diferente”.

Oxana estranhou também a “simpatia” e a “solidariedade” das pessoas: “um português na Ucrânia não teria o apoio que eu e a minha família tivemos em Portugal. Os portugueses são bons, meigos, carinhosos, atenciosos”. Os ucranianos são “mais frios” mas também “mais diretos”: “lá, quando dizemos sim, é sim. Cá, por vezes, diz-se sim mas depois é não”. Oxana também ficou “chocada” com a falta de pontualidade dos portugueses, com “a maneira de trabalhar dos portugueses” – “têm hora de entrada mas não têm hora de saída” – e com a falta de cavalheirismo do homem português – “quando vou ao supermercado, vejo muitos casais às compras em que a mulher é que faz tudo. Noto também que há muitas mulheres em trabalhos pesados e que o homem em casa ajuda pouco a esposa”.

“Respeito muito o povo português”

O facto de os portugueses comerem “muito” e de só serem “pontuais na hora das refeições” também causou estranheza em Oxana. “Esperar um mês ou mais por uma consulta médica”, “pagar por livros escolares”, “ver patrões a trabalharem tanto ou mais do que os empregados” ou “uma mulher sair de casa sem pôr pelo menos rímel nas pestanas” era igualmente impensável na Ucrânia. Apesar das diferenças, Oxana tem “muito respeito pelo povo português. Só falei destas diferenças porque me pediu. Na verdade, só costumo dizer bem de Portugal e até critico quem fala mal. Devemos respeitar quem nos recebe tão bem e adaptarmo-nos ao país, às regras e às pessoas. Quem não aceita, deve regressar ao seu país”.

Em Portugal, a família Zabolotny, que agora já tem nacionalidade portuguesa e que vive no centro da Mealhada, aumentou. Nasceu uma menina que hoje tem dez anos e que, “se eu deixasse, comia leitão todos os dias”. A filha mais velha, com 26, é licenciada e trabalha em Lisboa na área da medicina genética. As filhas de Oxana sabem falar e ler russo, porque em casa esta sempre foi a língua oficial, ainda que pelo meio, hoje, “espontaneamente”, surjam palavras em português. Sergiy Zabolotny é camionista internacional. Oxana trabalha por conta própria: tem um salão de cabeleireiro na Malaposta.

Regressar à Ucrânia “já não faz sentido. Temos a nossa vida construída cá. Somos pessoas diferentes, perfeitamente integradas na sociedade”, explica Oxana, que se sente “98% portuguesa” e que, “só pelo café e pelo frango de churrasco”, não trocava Portugal por nenhum outro país.