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Vi o “céu” na “terra”!


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quinta, 27 junho 2019

Ao começar a celebração, naquele dia, apercebi-me de um ambiente um pouco agitado em alguns dos 70 idosos que estavam presentes para a missa mensal do Lar. Não estranhei, pois vou-me apercebendo, com o passar do tempo, que muitos deles vão dando sinais de uma dolorosa perca de autonomia e das suas capacidades vitais.

Entretanto, já a missa ia a meio, quando uma idosa começou a falar desconexamente, enquanto os outros procuravam cantar. A técnica, sempre presente nas celebrações, abeirou-se dela. Com doçura e um sorriso autêntico, pegou-lhe na não, como que a dar resposta à «reclamação» daquela pelas carências que sentia. Depois, dobrou-se, ficando quase de joelhos ao seu lado. A idosa, fechando os olhos, sossegou com o alívio daquela mão carinhosa que lhe tocava. Ambas, a técnica e a idosa, cantaram, balbuciando, o cântico: «Santo, Santo, Santo…». No final, a técnica levantou-se e, por que a senhora já estava tranquila, afastou-se, mas ficando por perto.

Senti-me emocionado, com aquele gesto divino, na celebração sagrada a que presidia! Que bonita eucaristia! Sem querer, aquelas mulheres protagonizaram o mistério de amor que estávamos a celebrar. Sim! Na eucaristia, é sempre Deus que, amorosamente, vem ao encontro da carência de amor do ser humano, tornando-se «alimento»!

Na verdade, sinto-me muito bem a percorrer todos os meses as sete instituições sociais para idosos que existem nas paróquias que agora sirvo como pároco. Acredito que o mais importante não é a «homilia» que lhes dirijo, nem os cânticos que se cantam, mas sim este mistério de encontro amoroso que vivemos juntos, com Deus. No fundo, trata-se de tornar atual e real aquilo que todos eles já sabem: Deus não os esqueceu, porque os ama infinitamente!

Claro, que, ali, ou em qualquer outro lado, não é fácil envelhecer! O corpo já não obedece, as forças vão desaparecendo, a dificuldade de comunicar é cada vez maior, as ideias e as emoções confundem-se, mas, o pior é ter de depender dos outros para tudo. Imagino a insegurança que não provoca precisar dos outros para comer, para ir à casa de banho, para pegar num lenço que caiu no chão…! Sei lá! Uma insegurança que dói e que revolta para quem o vive. Uma realidade que provoca medo, só de pensar que um dia pode ser comigo!

Admiro e estimo profundamente todos aqueles que trabalham nestas instituições que cuidam de idosos. Infelizmente, as leis e as circunstâncias não permitem remunerações justas para a grandeza e a exigência do trabalho que realizam. Considero mesmo heroicos aqueles que, todos os dias, procuram aliviar o sofrimento de quem vive num lar de idosos. O seu valor jamais pode ser só medido em termos de profissionalismo. Quem trabalha numa instituição destas precisa de um coração encharcado de humanidade, precisa de ser «instrumento de amor» para saciar os corações carentes de quem vive nestas casas.

Depois, encanta-me quando percebo que, apesar das exigências, das lutas e das dores da vida de cada um, se é capaz de ser ternura para os outros, sem revoltas, mas em expressões simples e genuínas, de gestos e atitudes.

Já agora, há pessoas que são capazes de refletir o seu nome no viver de todos os dias. Bem-haja, a quem faz do «céu» mais do que um nome próprio, mas o transforma em estilo de vida! Sim! Naquela manhã e naquele lar onde celebrei vi um pedacinho de «céu» na «terra», por causa daquelas mulheres!