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Casamentos de Santa Ana: “É muito importante pôr o amor à frente de tudo”


tags: Mealhada, Mealhada, Mealhada Categorias: Região quarta, 07 agosto 2019

Santa Ana “abençoou” o casamento de Selene Pega e João Pega. O casal prometeu fidelidade, amor e respeito, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, a 19 de abril de 1964, na Capela de Santa Ana, “muito bem enfeitada com cravos brancos”. Dois padres, Ferreira Dias e Jaime do Nascimento, uniram “para sempre” os noivos. O casamento foi notícia no já extinto jornal Sol da Bairrada: o recorte a preto e branco está guardado para recordação.

Nesse dia, um céu cinzento tapou o sol. Selene chegou primeiro e esperou meia hora pelo noivo no carro. João atrasou-se porque esteve “à espera de uns tios que vinham do Porto”. Resolvida a questão, cumpriu-se o desejo comum de casar na Capela de Santa Ana, a padroeira da terra. A imagem da santa, que todos os anos sai à rua na procissão anual em sua honra, foi oferecida à capela em julho de 1925 pelo avô de João Pega, Basílio Fernandes Jorge. O então autarca da Câmara Municipal da Mealhada homenageava assim a esposa Eva, vítima de morte prematura, que deixava uma filha com 12 anos de idade, a mãe de João Pega. Depois da cerimónia religiosa, os recém-casados seguiram a pé para o copo-de-água, pisando uma passadeira que unia a capela à casa dos pais da noiva. Muitos vasos coloriam o caminho. A “simples e bonita” festa fez-se na garagem, onde coube mais de uma centena de convidados.

João nasceu na Mealhada. Selene é natural de Cantanhede mas veio viver para a então vila com quatro anos de idade. Conheceram-se na juventude. Como tinham a mesma idade, faziam parte do mesmo grupo de amigos. Selene destacava-se das outras raparigas: “era diferente, muito comedida, carinhosa e afetiva; tinha uma maneira de ser especial”, recorda o agora marido. Selene também tinha João em boa conta: “era de boas famílias, sabia estar, era muito trabalhador e eu gostava da maneira de ser dele”. João pediu Selene em namoro na Baixa de Coimbra a 6 de março de 1956. Selene, que estava a estudar no Colégio Alexandre Herculano, deu resposta afirmativa apenas no dia seguinte, na Praça da República. Pouco tempo depois, antes que outros divulgassem a boa nova, João pediu permissão ao pai de Selene para namorar a filha. Esperou-o à saída da barbearia, no centro da Mealhada, e recebeu como resposta à sua pergunta uma outra pergunta: “está na disposição de a respeitar?”. João disse que sim e o namoro, que se prolongou por oito anos, ficou “oficializado”.

“Nos momentos difíceis, é dar as mãos e seguir em frente”

Depois de Coimbra, Selene seguiu para Lisboa em 1957: foi estudar Educação de Infância na Escola Superior de Educação João de Deus. Nessa altura, João, que tinha deixado para trás o Curso de Engenharia Geográfica, dava aulas no antigo Colégio da Mealhada. Apesar da distância, o namoro continuou. João ia a Lisboa com frequência: “eu já não conseguia viver sem ela”.

Em 1967, já casados e com dois filhos, João recebe um “ultimato” da esposa: “tens que ir tirar um curso superior”. Com a ajuda da família, Selene assumiu a gestão do lar e João passou de professor a estudante de Engenharia Eletromecânica do Instituto Industrial de Coimbra. “Foi um esforço brutal para os dois”, admite João Pega, destacando as noites em que ficava a estudar até tarde, tendo sempre como companhia a esposa. A meta estabelecida foi cumprida. Um e outro foram “muito felizes” nas profissões que exerceram ao longo da vida.

João Pega e Selene Pega, pais de quatro filhos e avós de cinco netos, “todos maravilhosos”, são marido e mulher há 55 anos. Na mão esquerda, no dedo anelar, usam três alianças. A última foi benzida em 2014, aquando a comemoração do 50.º aniversário de casamento. A festa particular, que os filhos fizeram questão de organizar, teve direito a discurso preparado por Selene. Escrito à mão, em três páginas A4, nele se pode ler que a “caminhada” foi “muito difícil” mas que “as coisas boas” superaram os obstáculos. Assumiu-se “orgulhosa” dos quatro filhos, que são “homens decentes” e que caminham “com passo certeiro” – “é esta a recompensa que uma mãe pode aspirar” –, e dos netos que lhe dão vida. Filhos e netos não vivem no concelho mas “todos os dias nos telefonam. Penso que isto não é vulgar e quer dizer alguma coisa. Somos muito unidos”, explica Selene. O casal, agora reformado, continua a viver em função dos descendentes, “o nosso maior tesouro”.

Segundo Selene Pega e João Pega, com 81 anos de idade, num casamento é essencial haver “aceitação do outro”, “compreensão”, “respeito” e “igualdade”. “Respigar de vez em quando” também é preciso, porque não existem duas pessoas iguais, e, “nos momentos difíceis, é dar as mãos e seguir em frente”. É igualmente “muito importante” “pedir desculpas”, “resolver os problemas a conversar” e “pôr o amor à frente de tudo”.