A coragem de ser igual a si mesmo
Vem isto a propósito pelo facto de, hoje, vivermos tempos em que muita gente tem medo de ser quem é.
Já lá vão cerca de 30 anos, quando segui, com interesse, uma série televisiva intitulada The Pretender. Esta série tinha como personagem central um jovem, chamado Jarod, que, em criança, foi treinado para se tornar um pretender, isto é, alguém com capacidade de simular qualquer tipo de personalidade, tornando-se assim num expert em qualquer tipo de área profissional ou amadora, independentemente do seu grau de complexidade.
Vem isto a propósito pelo facto de, hoje, vivermos tempos em que muita gente tem medo de ser quem é. Parece que todos tentam encaixar-se num modelo de personalidade que não é o seu, mas o mais conveniente. Há sempre uma comparação a fazer, uma aparência a manter, uma imagem a defender. E, no meio de tanta pressão, o mais difícil acaba por ser o mais simples: ser igual a si mesmo.
Sim! A autenticidade tornou-se um bem raro. As redes sociais, as modas e as comparações constantes empurram-nos para o terreno escorregadio da aparência e da superficialidade, onde o valor de cada um parece medir-se pela popularidade e as suas contas, pelos títulos, conquistados ou encomendados, ou ainda pelos cargos e funções que se desempenham, apesar da competência. Neste contexto, ser igual a si mesmo – sem complexos, sem disfarces, sem máscaras – é um verdadeiro ato de coragem.
Claro que ser igual a si mesmo não é ser fechado, inflexível ou autossuficiente. Pelo contrário, é aceitar o que se é, com os dons e as fragilidades que a todos habitam, e deixar que essa verdade interior se torne a base de toda a relação com os outros e com a sociedade. A autenticidade nasce do reconhecimento humilde da própria verdade: «não sou perfeito, mas sou único»; «não sou o que os outros esperam de mim, mas procuro ser o que Deus sonhou que eu fosse»!
Quantas vezes cedemos à tentação de moldar o nosso modo de ser para agradar, para não dececionar, ou simplesmente para pertencer…! E, no entanto, cada vez que o fazemos, algo em nós se perde – um sentido, uma liberdade, uma paz interior. A coragem de ser igual a si mesmo é também a coragem de dececionar certas expectativas, de dizer «não» quando o coração pede coerência, de se manter firme quando toda a gente grita para a mudança de direção.
Ser igual a si mesmo, sem complexos, é também um caminho espiritual. É reconhecer-se criatura amada, habitada por um dom que não precisa de comparação para ter valor. A fé cristã lembra-nos que Deus não faz cópias: cria originais (Carlos Acutis). E o amor de Deus não se mede por exibição, mas por fidelidade. A felicidade que Deus dá não é uniformidade entre todos, mas a plenitude do ser que cada um é chamado a viver.
A coragem de ser quem se é exige silêncio interior, discernimento e uma boa dose de paciência consigo próprio. Exige aceitar que há, em nós, zonas de sombra e de luz e que ambas fazem parte do mesmo caminho. Exige, sobretudo, confiar. Confiar que ser verdadeiro é o melhor serviço que podemos prestar a nós próprios e ao s outros. Ser igual a si mesmo é, no fundo, um ato de amor: amor a Deus, que nos criou assim; amor aos outros, que merecem encontrar-nos autênticos; e amor a nós próprios, para não vivermos escondidos atrás de máscaras.
Já agora, muitas vezes, o medo de não sermos aceites e a «calculadora mental» dos interesses, faz-nos esconder o que sentimos, o que pensamos ou o que acreditamos. Tentamos parecer o que não somos e acabamos, mais tarde ou mais cedo, cansados, confusos e até tristes. A coragem de ser igual a si mesmo é o contrário disto! É escolher a verdade, mesmo que isso custe. É ter a serenidade de não viver para agradar, mas para ser fiel ao que é justo e bom, enfim, para ser fiel ao amor que nos faz felizes.
Autor: Padre Rodolfo Leite
