Rir Hard.
O Ryadh Comedy Festival ocorreu de 26 de Setembro a 9 de Outubro de 2025 e contou com alguns dos maiores nomes da comédia internacional.
O Ryadh Comedy Festival ocorreu de 26 de Setembro a 9 de Outubro de 2025 e contou com alguns dos maiores nomes da comédia internacional.
Tendo em conta o que muitos dos comediantes diziam defender, muitos podem pensar que eles perderam a cabeça, mas perder a cabeça é só o que acontece a muitos dos cidadãos do país.
Tim Dillon disse ter recebido uma oferta de 375 mil dólares para ignorar a escravidão e maus-tratos que ocorrem no país, quer dizer, recebeu a oferta para atuar no país. Ele aceitou o dinheiro, porém ao falar sobre tudo isto num podcast teve o nome retirado do festival. São sempre boas notícias quando um festival de comédia segue as mesmas regras do filme Clube de Combate.
Quais eram de facto as regras de participação no Festival? A comediante Atsuko Okatsuka diz ter recusado o convite para participar expondo que não podia “apresentar qualquer material que possa ser considerado degradante, difamatório ou que possa causar descrédito público, desprezo, escândalo, constrangimento ou ridículo ao Reino da Arábia Saudita, incluindo a sua liderança, figuras públicas, cultura ou povo, à família real saudita, ao sistema jurídico ou ao governo saudita, e a qualquer religião, tradição religiosa, figura religiosa ou prática religiosa.” Portanto, sem qualquer tipo de censura ou restrição, se excluirmos pelo menos dezenas de coisas diferentes.
Dave Chapelle disse que é mais fácil falar na Arábia Saudita, o que é verdade só enquanto não tiveres a cabeça cortada. A mesma pessoa a quem pagaram milhões para falar em especiais sobre como não pode falar nada de repente acredita que num país onde se assassinam jornalistas fala-se muito mais e melhor.
Bill Burr ainda há pouco tempo disse que não deveriam existir bilionários, esqueceu foi de completar a frase com “que não me paguem para não falar mal deles”. Após atuar, disse que foi “a terceira melhor experiência da vida dele” e que “a família real adorou”. Tendo em conta que é casado e tem dois filhos, resta saber se as noites na arábia ficaram acima do dia do matrimónio ou dos partos. De qualquer forma a família real deve estar com um ótimo ambiente em casa.
Jim Jefferies fazia parte dos pelo menos 50 nomes escalados para o evento, mas foi excluído após mencionar num podcast que “Um repórter foi morto pelo governo. É lamentável, mas não é uma causa pela qual eu vá lutar até à morte”. É impressionante quanto uma causa não pesa na consciência quando alguém acha que vai ter uma fortuna a pesar na carteira. Apesar de tudo, agora nada lhe pesa.
A comediante Jessica Kirson rematou bem o problema de ser uma mulher comediante judia lésbica divorciada com quatro filhos num país em que qualquer uma destas palavras podia dar direito a chicotadas em público: “Eu não faria nenhum material gay lá.” Parece-me o mais lógico num país civilizado: se és algo que o governante não gosta, não o sejas. É isso que se quer num/a comediante, que não fale sobre tudo aquilo que costuma falar.
Mais tarde ela veio a público dizer que se arrepende de ter atuado no festival e que vai doar o dinheiro a instituições de caridade. É impressionante como o arrependimento aparece sempre que há centenas de más reações do público e a pessoa já foi paga.
O pai do comediante Pete Davidson morreu no ataque às torres gémeas do 11 de setembro. Com certeza para ele a morte do pai não foi só um número, mas talvez tenha sido um número demasiado pequeno comparado com o número do cheque que recebeu para atuar para alguns dos responsáveis por isso.
O evento foi anunciado com um vídeo cheio de fogos de artifício quase tão vermelhos quanto a carnificina do regime. A esperança é que a pirotecnia e os risos sejam barulhentos o suficiente para abafar o som das mordaças.
Autor: Raphael Mesquita
